Muitos cometem o equivoco de dizer
que o livro e a literatura tiveram seu nascedouro com o advento do papel, mas
estão errados. O papel, tal qual aos equipamentos eletrônicos utilizados para
armazenar e ler textos nada mais são do que outro tipo de mídia para o mesmo
produto.
Sócrates, o homem mais sábio de
todos os tempos (não confundir com o jogador de futebol), era um apreciador da
linguagem oral, achava que só o diálogo, a retórica, o discurso e a palavra
falada estimulavam o questionamento e a memória, sendo os únicos caminhos a
conduzirem ao conhecimento profundo, e consequentemente à sabedoria. Temia que
os jovens, com o recurso fácil da escrita e da leitura, deixassem de exercitar
a memória e, com a palavra escrita, perdesse o hábito de questionar. O grande
filósofo concluiu que a passagem da linguagem oral para a escrita seria uma
revolução catastrófica, e ele tinha razão, mas o lado “catastrófico” não veio,
permitindo o mais esplendido salto intelectual da civilização ocidental.
Agora, aproximadamente 2500 anos
depois, uma nova revolução bate as nossas portas, e vozes pessimistas reacendem
o equivocado pensamento revolucionário de Sócrates. A Era Digital nos expõe uma
mudança de fundamento como não ocorre há milênios. A forma física que o texto
adquiriu num papiro há quase 3 mil anos antes de Cristo, ou numa folha de papel
dos dias atuais, tende a se tornar etérea. Novamente iremos experimentar
novidades infinitamente mais praticas.
Na Era Digital a mudança será
radical. O texto em meio digital, mais precisamente o livro, objeto de nossas
considerações neste relato, oferece uma experiência visual e tátil inteiramente
diferente. Como diz o professor do Collège
de France, e especialista na história do livro, Roger Chartier, a Era Digital nos fará desenvolver uma nova relação
com a palavra escrita.
Por séculos a humanidade transmite
conhecimento, depois da argila, do papiro e do pergaminho, no papel. Dos livros
manuscritos pelos monges da Idade Média à página térmica utilizada nos aparelhos
de fac-símile, sempre fora utilizada a mídia papel.
Lentamente, durante o século XX, a
escrita e leitura passaram a se dar através de telas de vidro – mais precisamente
de cristal liquido –, experimentando novas plataformas. Depois vieram os Smartphones, os tablets e os leitores eletrônicos, tais como Kobo, Kindle e Google
Play. Desde 2011, a Amazon, uma
gigante do mercado varejista on-line, já vende mais livros digitais do que
livros impressos, no mercado americano, e desde o começo do ano, começou a
atuar fortemente no mercado brasileiro. Desde a invenção dos tipos móveis de
Gutenberg que o livro não recebia intervenção tecnológica tão significativa.
As vantagens são inúmeras, se
compararmos o livro digital com o impresso, a começar pelo preço. Até o final
do preparo do original para o envio a impressão, os custos são praticamente os
mesmos. A diferença está no momento em que a obra é “impressa” na mídia final.
No papel, o original pronto vai para uma gráfica,
onde é impresso, encadernado e embalado, gerando um custo. Pronto, o livro de
papel deve ser transportado até os pontos de vendas e entregue aos seus
compradores, gerando custo de logística (estoque, transporte e entrega). Na
versão eletrônica não existe o custo da gráfica, que é considerável, pois o
original se transforma em um arquivo digital, sendo disponibilizado por meio eletrônico,
com custo quase que nulo para a editora e livrarias, pois estão excluídos os
custos com estoque, transporte e entrega, além de não haver necessidade de “reimpressão”,
pois os exemplares eletrônicos são “ilimitados”.
Mas os defensores dos livros de
papel podem alegar que os leitores são muito caros. Esse é um argumento, a primeira
vista, correto, mas que não se sustenta se analisarmos com mais cuidado. Um
leitor é uma mídia que será comprada para ler e armazenas milhares de livros.
Um leitor terá em suas mãos, quem um simples clicar, toda uma biblioteca.
Então, sob esta ótica, o leitor possui um custo ínfimo, isso sem contar o fato
de que quase toda a população leitora possui ao menos um smartphone, que possuem aplicativos de leitura gratuitos, sendo o único
incomodo o tamanho da tela.
O livro da Era Digital, diferente do
livro de papel, também contribui com os profissionais do livro em suas
estratégias de mercado e apresentam uma importante ferramenta para que eles conheçam
seu cliente. A Amazon, Apple e Google espiam seus leitores, buscando saber quantas paginas leem
por dia, o tempo consumido e os títulos preferidos, antecipando tendências.
Um exemplo de tal feedback é o apresentado pela Barnes & Noble, a maior cadeia de
livrarias dos Estados Unidos, que analisando os dados colhidos pelo seu leitor
eletrônico, o Nook, descobriu que
livros de não ficção são lidos de modo intermitente. Os romances, não. Leitores
de policiais são mais rápidos que os de ficção literária.
O ofício do escritor também passa
por uma grande transformação. Existem editoras que já testam os livros
digitalmente antes de publica-los na versão de papel. Há, também, a
possibilidade do próprio autor publicar seu livro digital, sem a intervenção
dos chamados editores, mas isso pode se tornar uma armadilha para o próprio escritor.
O professor Robert Darnton, da Universidade Harvard, respeitado
historiador cultural, alerta que “O texto
no computador fica limpo, organizado, justificado. Fica tão bem que parece
dispensar revisão e pode ser despachado com um clique. Frequentemente o é, para
desgraça de quem preza a clareza e o estilo.” O que ele quer dizer é que,
alguns processos encontrados durante a produção de uma obra são essenciais,
tais como, revisão (o corretor ortográfico do Word não é perfeito), diagramação
e capa, precisam ter boa qualidade, pois, antes de ser um livro, ele é um
produto como outro qualquer e precisa ter uma boa aparência e qualidade. Nunca
se escreveu tantos livros, mas, na maioria, com qualidade questionável.
Os dicionários já estão deixando de serem
impressos em papel, pois é mais fácil atualizá-los digitalmente, e na era
digital, é muito mais fácil colocar sobre o criado mudo um leitor eletrônico,
com milhares de obras, que não possui mais do que poucos milímetros de
espessura, afinal, os apartamentos estão cada vez mais se transformando em “apertamentos”.
Então o livro de papel vai acabar?
Bem, com a importância dada a sustentabilidade, é bem provável que ele irá ser
reduzido a um numero bem pequeno, com preços elevados, e destinados a
colecionadores, tal qual ocorreu com os discos de vinil, mas não creio que irá desaparecer
por completo, ao menos até vermos a Enterprise ir “onde nenhum homem jamais
esteve”. Quanto a mim, ainda sinto necessidade de sentir aquele cheirinho
delicioso do livro de papel.
Por: J. Modesto