Há muito tempo atrás havia somente a noite e o
dia. E a noite era tão escura que deixava os homens assustados e
refugiados em suas casas, próximos a luz do fogo. Em todas as tribos,
só uma índia não tinha medo da noite. Ela saía na escuridão e voltava
com os cabelos cobertos de vaga-lumes. Passeava na beira do rio e
dizia a todos que não havia perigo algum.
Essa índia era diferente de todas as outras. Nascera
com a pele mui-to branca e nada lhe causava medo, nem a temível
escuridão da noite. Con-tudo, uma outra índia de olhar tão negro como a
própria noite, não via os passeios da outra com bons olhos. Então,
a inveja cresceu dentro dela de tal forma que a consumia por completo.
Um dia tentou caminhar noite a-dentro, mas acabou cortando os
pés nos gravetos e seixos da margem do rio. Cheia de ódio e inveja,
resolveu falar com a cascavel, um dos mais ardi-losos dos animais.
– Cascavel, preciso de teu auxílio! – disse.
– Para o bem ou para o mal?”, perguntou a serpente.
– Para o mal! – foi a resposta da invejosa.
Contente, a cascavel bailou, pois as coisas voltadas
para o Mal eram as que lhe traziam mais alegrias. Satisfeita, perguntou.
– O que quer?
Um sorriso surgiu nos lábios da índia invejosa, pois acabara de ter certeza que a cascavel iria ajudá-la.
– Que mordas o calcanhar da índia branca! – pediu.
– A que não tem medo da noite?
– Esta mesma!
– Para matar? – perguntou a serpente com um brilho maligno nos olhos.
– Que fique escura, verde, velha e calada! – respondeu a mulher entre os dentes cerrados.
A cascavel mais uma vez se rejubilou de alegria
e prometeu que faria o que fora pedido naquele mesmo dia. À noite,
quando a índia branca foi fazer seu passeio, a cascavel se arrastou,
furtivamente, por entre a ve-getação e o terreno acidentado,
ocultando-se por debaixo de uma pedra e esperou. Não demorou muito para
que surgisse a índia, cantarolando feliz.
Com astúcia e movimento rápido, a cascavel deu o bote e
suas pre-sas morderam-lhe um dos pés. Todavia, ao invés da carne
macia, encon-trou algo tão duro que quebrou-lhe as presas, e com eles
perdeu seu vene-no. Surpresa, a serpente vislumbrou que sua vítima
tinha os pés calçados com duas conchas de madrepérolas.
– Índia infeliz, o que fizeste comigo! – perguntou a banguela cascavel.
– O que pretendias tu fazer comigo?
– Ia te fazer escura, verde, velha e calada!
– Fui salva então, pelo sapato de conchas que o boto me deu! – reve-lou a índia branca.
– E por causa disso, fiquei sem dentes e sem veneno! – concluiu a serpente, chorosa.
– Mas porque que queria me mal? – indagou a índia branca.
– Porque és linda e a índia escura não suporta a! – revelou, por fim.
– Foi ela que te mandou?
– Sim, pois ela tem inveja de ti!
Chocada com o que acabara de ouvir, a indiazinha branca
começou a chorar. Jamais imaginara despertar tanto ódio em alguém.
Suas lágrimas eram gotas de luz que se elevaram ao céu, permanecendo
no manto escuro como pontos luminosos. Agora a noite já não era uma
escuridão completa. Chorou por muito tempo até que, quando parou, disse:
– Não posso mais viver entre os que me odeiam!
Surpresa, a Cascavel viu a índia branca passar por cima
das águas do rio, até o outro lado, e, assustada, meteu a serpente
ocultou-se em um bu-raco próximo de onde nunca mais saiu.
Quando chegou ao outro lado, a índia branca procurou a coruja.
– Mãe coruja, ajuda-me a chegar ao céu! – pediu em tom de súplica.
Depois de muita insistência, a Coruja consentiu em
ajudá-la. Então, a jovem foi colher cipó e flor de manacá suficiente
para trançar uma escada muito linda. Finda a tarefa, pediu à coruja
que voasse bem alto e suspen-desse a escada para que ela pudesse
súber. Então a coruja obedeceu. Sus- pendendo a escada, levou uma
das pontas até a porta da morada celeste. Imediatamente, a Índia
branca subiu até chegar lá e, tranqüilamente, aco-modou-se em uma das
nuvens para nunca mais voltar à terra.
Olhando para o firmamento, os índios avistaram aquela
forma recli-nada, branca e brilhante, vagando entre as nuvens, rodeada
de gotas lumi-nosas e, surpresos, disseram:
– A Lua, a Lua!
A índia escura e invejosa, ao ver aquilo, ficou cega de
ódio e desapa-receu, nunca mais sendo vista. Contam que fora morar na
cova, juntamente com a cascavel. No entanto, a Lua continua até hoje
fascinando os homens que sonham um dia trançarem uma corda
suficientemente longa para, um dia, irem ao seu encontro.
FIM
NOTA DO AUTOR: Esta história é apenas uma versão elaborada pelo autor de uma lenda indígena que conta como surgiu a Lua e as Estrelas.
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