PJ Pereira, publicitário carioca
que mora há dez anos nos EUA, figura há duas semanas na lista dos livros mais
vendidos com uma fantasia baseada na mitologia africana trazida ao Brasil pelos
escravos, ainda na colonização
O publicitário PJ Pereira, autor da trilogia
'Deuses de Dois Mundos'(Reprodução/Facebook)
Entre Green, Doerr e Cass, apenas
um sobrenome comum no Brasil se destaca na lista dos dez livros de ficção mais
vendidos de VEJA desta semana: Pereira. Seu dono, o carioca Paulo Jorge, ou PJ,
como é conhecido desde os 20 anos no mercado publicitário, conseguiu derrubar a
hegemonia dos estrangeiros no ranking, que não via desde fevereiro um autor
brasileiro voltado para adultos - no começo de maio, Paula Pimenta esteve na lista
com o título teen Cinderela Pop (Galera Record). PJ Pereira, de 42 anos,
segue Chico Buarque, que permaneceu dez semanas no ranking com O Irmão
Alemão (Companhia das Letras), entre o final de 2014 e o começo deste ano.
Mas, ao contrário do músico, que é uma celebridade por si só e revisitou o
próprio passado para contar uma história, o ainda novato PJ foi mais longe. O
livro que figura na lista, Deuses de Dois Mundos - O Livro da Morte
(Da Boa Prosa, 338 páginas, 44,90 reais), encerra a trilogia que marca a sua
estreia na literatura e que, desde 2013, vendeu cerca de 50.000 exemplares. E é
um mergulho na mitologia africana, a origem de religiões como o candomblé e a
umbanda, que, segundo o IBGE, reúnem apenas 0,3% da população.
Formado em administração com especialização em marketing, PJ se tornou um publicitário bastante conhecido (e reconhecido) antes de se aventurar na literatura. Com um Emmy e quatro Grand Prix do Festival de Cannes no currículo, PJ foi um dos fundadores da AgênciaClick, a primeira especializada em marketing na internet do Brasil, da qual vendeu sua participação antes de ir para os Estados Unidos, em 2005, para dirigir a área de criação de uma das principais agências digitais do mundo, a AKPA, e fugir do trauma de um sequestro-relâmpago sofrido em São Paulo. Três anos depois, o publicitário se juntou ao colega Andrew O'Dell para fundar o braço americano do Grupo ABC, de Nizan Guanaes, a Pereira & O'Dell. "Foi graças ao meu trabalho que descobri as culturas africanas", conta PJ.
Formado em administração com especialização em marketing, PJ se tornou um publicitário bastante conhecido (e reconhecido) antes de se aventurar na literatura. Com um Emmy e quatro Grand Prix do Festival de Cannes no currículo, PJ foi um dos fundadores da AgênciaClick, a primeira especializada em marketing na internet do Brasil, da qual vendeu sua participação antes de ir para os Estados Unidos, em 2005, para dirigir a área de criação de uma das principais agências digitais do mundo, a AKPA, e fugir do trauma de um sequestro-relâmpago sofrido em São Paulo. Três anos depois, o publicitário se juntou ao colega Andrew O'Dell para fundar o braço americano do Grupo ABC, de Nizan Guanaes, a Pereira & O'Dell. "Foi graças ao meu trabalho que descobri as culturas africanas", conta PJ.
Nascido e criado no Rio de Janeiro, cujas praias
recebem centenas de oferendas para os orixás na virada do ano, PJ tinha aversão
ao universo das tradições africanas. "Eu via como algo do demônio,
horrível. Meus amigos e eu sempre dizíamos que no dia 1º de janeiro não se
devia ir à praia porque tinha macumba." O preconceito só começou a ser
questionado anos mais tarde, no começo dos anos 2000, quando o publicitário se
mudou para São Paulo e descobriu que um de seus colegas de trabalho, Zeno
Millet, era filho da Mãe Cleusa e neto da Mãe Menininha do Gantois, um dos
terreiros do candomblé mais importantes da Bahia. "O Zeno é uma pessoa que
eu respeito muito. Pensei: 'Se essa pessoa boa está envolvida com esse negócio,
ou mentiram para mim a minha vida toda ou ele está mentindo agora'."
Decidido a descobrir quem dizia a verdade, PJ foi
pesquisar as tradições africanas. "Entrei em contato com uma mitologia
rica e senti como se tivessem me negado esse conhecimento. Sempre gostei e li
muito sobre mitologia grega e romana e, da mitologia africana, que é tão
importante na formação da cultura brasileira, eu não conhecia nada",
afirma. Daí veio a ideia de repassar esse conhecimento a outras pessoas que
também eram leigas no assunto, com a ajuda de Zeno Millet, que o apresentou a
cerca de 50 pessoas ligadas ao candomblé e à bibliografia do sociólogo
Reginaldo Prandi, da Universidade de São Paulo (USP), um dos maiores especialistas
em cultura africana no Brasil. Foi em uma conversa com o amigo, aliás, que
surgiu a ideia de escrever um livro. "Depois de ler um título do Prandi
sobre o jogo de búzios, fui atrás do Zeno. Perguntei: 'Mas e se o jogo não der
resposta?'. Ele me disse que sempre dava e eu insisti na pergunta. Ele
respondeu: 'Se não der, é porque alguma coisa muito séria está acontecendo. Vai
ter gente apavorada com isso'."
Em Deuses de Dois Mundos, PJ separa, em duas
narrativas paralelas, a África ancestral e o Brasil dos dias atuais. Na África,
retrata a preocupação de Orunmilá, o maior adivinho de todos os tempos, que se
vê sem respostas ao jogar búzios. Já em São Paulo, um jornalista recebe uma
missão dos orixás e se envolve com rituais que não compreende direito. Nos livros,
há um pouco de ficção e um pouco de realidade embaladas em linguagem ágil e
quase cinematográfica. "Eu conversava com muita gente do candomblé, lia
muito a respeito e depois preenchia as lacunas que tinha com a minha
imaginação. Eu dizia para eles que não queria saber segredos vetados a
não-iniciados, não queria desrespeitar as regras. Se acertei alguma coisa que
inventei, foi por acaso. Já me disseram que eu contei segredos que eu não
deveria saber, só não sei que segredos são esses."
Marketing
digital - PJ
Pereira terminou de escrever Deuses de Dois Mundos dez anos antes de
lançar o primeiro livro. Em 2003, a história estava reunida em um único volume
de 900 páginas, que o publicitário ofereceu a diversas editoras, sem sucesso.
Como resposta, ele ouvia que não havia mercado para uma história como aquela
que queria contar. "Em 2013, um dos meus trabalhos publicitários foi
indicado ao Emmy e pensei que talvez os editores se interessassem por um
escritor que tivesse chegado à final do prêmio", conta. O Da Boa Prosa,
selo da Livros de Safra, aceitou o original, mas o dividiu em dois volumes: Deuses
de Dois Mundos - O Livro do Silêncio, lançado naquele mesmo ano, e Deuses
de Dois Mundos - O Livro da Traição, que chegou às livrarias em 2014. Como
ainda havia história para contar, PJ escreveu mais um volume, lançado em maio
deste ano.
Antes de o primeiro livro ser publicado, a editora
organizou uma reunião entre o escritor e alguns donos de redes de livrarias. O
da Livraria Cultura contou ao escritor que os leitores decidiam o que queriam
ler no Facebook, por indicação de amigos. "Fiquei tranquilo, porque
conheço essa linguagem, sei operar no mundo das redes sociais. Era a minha
primeira experiência como autor, mas não era a primeira vez que eu iria publicar
um conteúdo on-line para as pessoas compartilharem", afirma. Foi o
boca-a-boca nas redes sociais que garantiu o espaço de Deuses de Dois Mundos
na fila de leitura das pessoas. "Foi nas mídias sociais que o livro se
fez. Algumas pessoas até reclamavam que queriam ler o livro, mas não o
encontravam nas livrarias."
Mas, de acordo com ele, a leitura da trilogia não é
uma tarefa simples para muitos de seus leitores. Alguns contaram ao autor ter
lido quase que em segredo, por causa da temática. "Um leitor chegou a me
dizer que não podia entrar no trabalho com a minha obra porque senão seria
demitido, outra que a cunhada não admitia esse livro na casa dela, por isso
teve que encapar os volumes", conta. E, entre críticas feitas aos seus
livros, encontrou também algumas surpresas. "Grande parte da crítica vem
dos evangélicos, mas também há muitos que seguem essa religião e que vêm
elogiar a série na minha página no Facebook, dizendo que ela os ajudou a
entender melhor as tradições."
Antes de chegar às livrarias brasileiras, a
trilogia já tinha os seus direitos vendidos para a produtora multimídia The
Alchemists, o que também pode ter ajudado em sua projeção no mercado editorial.
"O dono da produtora, Mauricio Mota, disse que a proposta seria retirada
se o livro fosse lançado antes de fecharmos negócio. Aceitei na hora e vendi o
pacote de filme, série e graphic novel. Passei os últimos dois anos pensando
nessa adaptação, se faríamos um filme ou uma série. Estamos experimentando
roteiros ainda, mas é provável que seja um filme. Ainda não pensamos sobre a
adaptação para os quadrinhos."
O único brasileiro - A trilogia também pode ter
sido impulsionada pelo boom da literatura fantástica no Brasil e no mundo, que
viu nascer fenômenos como Harry Potter, de JK Rowling, Percy Jackson
& os Olimpianos, de Rick Riordan, e As Crônicas de Gelo e Fogo,
de George R.R. Martin, base da série de sucesso da HBO Game of Thrones.
"Metade dos meus leitores lê fantasia, a outra metade lê meus livros por
influência religiosa. Essa metade que gosta de fantasia viu o renascimento do
gênero nos últimos anos, principalmente depois de Harry Potter, uma
série que abriu caminho para tudo o que veio depois. Acho que minha saga foi
ajudada de pelo momento atual da literatura fantástica, sim", confirma PJ.
Ao contrário de Harry Potter e Percy
Jackson, que conquistaram principalmente o público infantil e adolescente, Deuses
de Dois Mundos tem falado a leitores adultos. Pelas estatísticas fornecidas
pelo Facebook, que mostram quem curte a página da série, os leitores são
adultos, a maioria entre 25 e 65 anos. "Foi uma surpresa para mim,
esperava que eles fossem mais novos. E cerca de 60% dos leitores são do sexo
feminino, outra surpresa", afirma o escritor.
Para PJ, ser o único brasileiro a figurar na lista
de mais vendidos é alarmante para a literatura nacional. Antes dele, passaram
poucos por ali, como o também carioca Eduardo Spohr, talvez o maior nome da
fantasia nacional, ao lado de André Vianco - eles têm respectivamente, mais de
600.000 e 920.000 exemplares vendidos. "A tradução nunca é igual ao
original, não tem o mesmo ritmo, é diferente. Eu acho alarmante e triste que
tão poucos escritores brasileiros sejam lidos no Brasil. Não estou saindo em
defesa dos meus pares aqui, mas a linguagem morre se o Brasil não lê livros
escritos em português", diz. "A indústria do entretenimento é uma das
mais medrosas que existem. Quem trabalha com literatura tem uma missão, que é
desenvolver a literatura nacional, trazer discussões interessantes. Muitos
livreiros também dão mais destaque para os livros estrangeiros. O leitor
escolhe aquilo a que é exposto."
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