A EVOLUÇÃO DO AUTOR.
Por J. Modesto
Antes de iniciarmos a discussão
sobre o processo de criação e publicação de uma obra, faz-se necessário
preparar o terreno para que se tenha uma clara visão do que deve ser um autor
completo. Muitos que se aventuram na tarefa de escrever um livro não têm a
mínima ideia no que está se metendo, acreditando que tudo se resume na tarefa
de escrever uma “historinha” de várias páginas – mais de 150 de preferência – e
entregar a uma editora para publicá-la, distribuindo várias dedicatórias e
autógrafos na noite de lançamento, em uma livraria qualquer. Ledo engano; e
este tópico tem como missão, apagar tal conceito equivocado.
Se você pensa como acabei de
descrever acima, espero que reveja seus conceitos. Se isso não acontecer,
sugiro que desista da empreitada, que só o levará a muito trabalho e várias
decepções.
Mas
como tomar a decisão certa?
Acredito
que não existam escolhas erradas, apenas aquelas que lhe trará maior ou menor
realização. Se você se preparar para elas, certamente irá aumentar
consideravelmente suas chances de sucesso, então vamos ao que interessa.
O que ouço constantemente de leitores,
candidatos e “escritores” e até pessoas que já possuem livros publicados, e que
buscam seu lugar no cenário literário nacional, é que só se precisa saber ler e
escrever para ser um escritor. O que posso dizer é que essas pessoas estão
completamente CERTAS.
Mas
como? Poderia me perguntar alguém mais antenado com o assunto e a explicação é
muito simples.
Quando você escreve uma simples carta de amor
para a namorada ou para um familiar distante, você é um escritor. Quando
elabora um relatório, um trabalho escolar ou uma receita qualquer, você é um
escritor. E todas essas tarefas que mencionei necessitam que ingredientes
básicos como ter um conhecimento mínimo da língua e razoável raciocínio lógico.
Isso não quer dizer que não existam tarefas de escrita que exija um maior
conhecimento, mas tais exigências existem em várias atividades de diferentes
ramos de atuação. Um pedreiro não poderá realizar o trabalho de um telhadista
sem adquirir um conhecimento mínimo sobre o assunto, apesar de saber o que é
uma telha, uma ripa ou um caibro. Quanto maior o conhecimento que o escritor
detiver sobre a língua a ser utilizada, melhor será o trabalho realizado. É aí
que aqueles que planejam percorrer a senda literária, mesmo sabendo que no
final da estrada podem não encontrar seus desejos realizados, devem conhecer no
mínimo as fases evolutivas desse caminho de muito trabalho e algumas alegrias
pessoais, esperando também que se encontre a realização financeira e fama, tão
desejada por muitos. Então vamos lá!
O candidato a autor começa sua jornada como
todo e qualquer mortal, com sua alfabetização. Nessa fase, ele não tem noção
nenhuma do que quer. Tudo é novidade e o interesse terá a proporção do
incentivo que receber nesse período, quer de seus pais, amigos, parentes e
professores. Nesse momento, ele não tem o domínio de seu destino, dependendo
grandemente das pessoas que acabo de mencionar.
Existe um ditado que diz: “Em casa de pais
leitores, filhos leitores”. Isso não serve só para “leitores”, mas para tudo na
vida. A criança inicia a vida copiando tudo o que vê, e os pais e professores
são suas maiores referências. Não é a toa que um garoto que nasce numa casa
onde o pai torce para o Corinthians, muito provavelmente se tornara um
corinthiano em decorrência da forte influencia do seu genitor, que deseja ter o
filho torcendo para o seu time de coração. Isso funciona com quase tudo, até a
idade que a criança adquira conhecimento e autonomia necessária para decidir o
que quer. Então, se pais e professores estimularem os pequeninos a escrever e
ler, mais eles o farão, alcançando um desenvolvimento pessoal que certamente
fará a diferença no futuro, mas cuidado. Lembre-se. Existe uma enoooorme
diferença entre incentivar e obrigar.
Passada a fase de alfabetização, quando a
criança já adquiriu uma capacidade razoável de escrita, inicia-se a fase de adquirir
o gosto pela leitura, mas tal fase pode começar mesmo antes da criança saber
ler ou escrever, ouvindo histórias de livros indicados para a sua idade, com
figuras coloridas e escritos curtos e objetivos. Aqui os pais e professores
também têm uma grande responsabilidade.
Concluídas tais etapas, o escritor básico
está formado e se desenvolverá até o nível que desejar, passando por
experiências importantes, principalmente na escola, onde as aulas de Língua
Portuguesa e redações diversas, além da leitura de livros, aprimorarão seu
conhecimento até agregar a sua formação básica o título de “leitor”.
Mas o que ler tem a ver com o desenvolver da
escrita? Muita coisa. Grandes e bons escritores foram e são contumazes
leitores. Ler livros de boa qualidade e de autores reconhecidamente cuidadosos
com o que escrevem contribui muito para o aprimoramento do vocabulário e
conhecimento das regras gramaticais até sem as conhecê-las direito.
Como assim?
Vamos utilizar como exemplo um erro muito
comum em nossa língua. Muitas pessoas ao falarem se utilizam de frases
construídas de forma errada, principalmente pelo uso comum em seu meio de
convívio. Veja o exemplo abaixo.
“Gostaria que você me emprestasse a sua
batedeira pra mim fazer um bolo de
chocolate!”
Segundo a regra gramatical, mim não pode ser seguido de um verbo,
mas certamente você encontrará pessoas utilizando a construção acima com
frequência, em especial aquelas que não tiveram acesso a uma educação de
qualidade.
Se seguirmos a regra, a frase ficaria assim:
“Gostaria que você me emprestasse a sua batedeira
pra eu fazer um bolo de chocolate!”
Agora, suponhamos que você não conheça a
regra citada, mas é um assíduo leitor de livros de qualidade, certamente notará
que há algo estranho na frase e a forma correta, gravada no seu subconsciente,
virá à tona. Então, a leitura faz diferença sim.
Mas não custa lembrar mais uma vez que
incentivar não é obrigar, então não tente forçar a criança a ler livros que
você acha que são importantes por conter informações essenciais para seu
futuro, preocupe-se em criar o gosto pela leitura que, no momento certo, ela
mesma irá atrás das informações que precisar. A melhor forma de se iniciar os
pequeninos no fantástico mundo da literatura chama-se Histórias em Quadrinhos,
ou HQ, se preferir. Então dê gibis para as crianças e, se elas ainda não
souberem ler, leia para elas. Certamente você também irá se divertir e
estreitará os laços afetivos com os pequeninos.
Ao
dominar a escrita e ler com frequência, você se transformará num escritor
completo. Veja que utilizei o termo “Escritor Completo” e não “Escritor Perfeito”,
pois esse último não existe. Ninguém domina todas as regras da língua ou
conhece tudo que é necessário para se tornar perfeito. É por isso que existem
os revisores, diagramadores, editores e capistas, que buscarão tornar sua obra
perfeita nos diversos quesitos, entregando ao publico um produto de qualidade.
Mesmo assim, erros ocorrerão, então se isso acontecer, aja com naturalidade e
busque corrigi-los nas edições seguintes.
Se existem tais profissionais que cuidarão
desses detalhes, porque preciso disso tudo para escrever um livro? Não poderia
apenas ditar e alguém escrevê-lo para mim?
Existem autores que não gostam ou não tem
tempo para escrever e para isso contratam um profissional que escuta a sua
história e passa para o papel, realizando a tarefa da escrita, enquanto que o
autor fica com a tarefa intelectual. A esse profissional dar-se o nome de Ghost
writer. Então nada impede que outra pessoa escreva o livro que você irá
ditar, mas no meu ponto de vista, se você quer algo bem feito e com qualidade, é
necessário que saiba fazer para saber cobrar. Seu objetivo é se tornar um escritor
completo? Então se prepare para isso.
Mas vamos retomar nossa linha de raciocínio.
O desenvolvimento do escritor ocorre junto
com o crescimento do leitor. Quanto mais você ler melhor será sua escrita, pois
desenvolverá novas técnicas, conhecerá vários estilos e ampliará
consideravelmente seu vocabulário, um dos itens mais importantes quando se quer
escrever com qualidade.
Cursos para melhorar a escrita também são
sempre bem vindos, por isso não pare de estudar e se aprimorar nunca. Pronto,
se você seguir essa pequena receita, certamente será um grande escritor.
Mas espera aí. O tópico que estamos tratando
não é sobre a evolução do autor?
É verdade, mas sem o escritor, não haverá
autor, ou melhor, ele jamais será conhecido por seu público como deveria. O
autor é aquele que cria. É da imaginação do autor que surgem as histórias
mirabolantes, dos heróis destemidos e dos vilões inesquecíveis. Todos nós, em
determinado momento já imaginamos histórias fantásticas, especialmente em nossa
infância, pois as crianças possuem uma mente fértil para a criação e a
fantasia. Contudo, com o desenvolvimento do seu lado racional, muitos tem essa
capacidade de imaginar diminuída. Mas, por sorte, temos aqueles que mantêm, ou
até aumentam, tal capacidade. São eles os inventores, os artistas, os
roteiristas, os cineastas, os pintores, os desbravadores e tantos outros,
dentre os quais se encontram os autores.
Dominar as técnicas de escrita e ser um bom
escritor, certamente irá ajudá-lo a se tornar um bom autor, mas você não
conseguirá transpor a fase de “escritor”, se não tiver imaginação. Então
trabalhe sua criatividade. Retorno a infância e não tenha vergonha de sonhar.
As maiores realizações da humanidade foram alicerçadas nos sonhos de seus
realizadores.
Então, mãos a obra.
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J. MODESTO – é autor de Literatura fantástica, com vários livros publicados e
participação em coletâneas com outros autores. É, hoje, um dos ícones da
Literatura Fantástica Brasileira.
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