quinta-feira, 17 de maio de 2012

O Portador da Luz - Parte 7

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Poucos meses depois. Sede da Logística.
O coronel Campos observou as fotos detalhadamente. A face fechada denotava a crescente preocupação. A reunião se estendia sem previsão de fim, já há muito avançando nas horas mais altas da noite.
Os recentes distúrbios vividos em todo o país, consequência da Passeata pela Palavra, em nada resultara contra a Igreja da Luz e da Revelação ou seu mentor, João Cândido Renan. Campos sentia que a cúpula da igreja se encontrava envolvida até o pescoço, mas não tinha como prová-lo. As diversas prisões efetuadas não trouxeram nenhuma ligação direta com a cúpula. E quando questionado, Renan fez uma declaração de efeito na imprensa, não só afirmando que não podia ser responsabilizado, por atitudes extremas e isoladas, de alguns cidadãos indignados, com as afrontas morais e o afastamento dos mandamentos d’Ele, que os tempos atuais viviam, bem como, em um verdadeiro discurso de fé, culpou as autoridades responsáveis pela segurança pública, mostrando, inclusive, documentos que comprovavam a solicitação de reforço no policiamento, revertendo a indignação popular, fazendo-a se voltar para as autoridades.
O coronel atirou as fotos, por sobre a mesa, e por um momento, apertou a base do nariz. Ele se sentia cansado, bem como todos ali, e a tensão apenas crescera, naqueles meses.
– O que levantamos, em relação a esta nova incógnita, nessa história? – questionou o coronel, voltando-se para o agente Júlio, após um tempo.
– Moisés Mendes Filho – reportou, pegando um dossiê específico, marcado em destaque. – De um ilustre desconhecido, possivelmente um auxiliar em trabalhos secundários, subitamente passou a aparecer, como se sua importância aumentasse significativamente dentro do grupo. Esteve ao lado de Renan em todos os discursos, nesses últimos meses. Suas aparições também se intensificaram, junto aos seguidores. Nas últimas semanas, foi várias vezes referido, em pregação, como “aquele que iluminará as almas perdidas”, e em algumas outras, como “o punidor” ou mesmo, “o braço de Deus”. Após isso, desapareceu.
O coronel fitou o vazio, como se enxergasse através do agente.
– E, obviamente, não temos qualquer idéia de o por quê disso, nem da importância deste indivíduo, dentro da igreja, certo?
Júlio se retraiu instintivamente àquelas palavras, mas sabia que o coronel não as dissera em tom jocoso ou menosprezando seu trabalho. Elas apenas refletiam a frustração de todos ali, com o desenrolar dos acontecimentos, até aquela data. João Cândido Renan tramava alguma coisa, e tramava muito bem, mas até então, não haviam conseguido expô-lo em nenhuma ocasião.
– Não, senhor, não temos – respondeu O agente, por fim.
– Tudo bem, Júlio, esqueça o que falei. Sei que está fazendo o seu melhor; todos estamos. Mantenha o foco em Renan e em seus próximos passos. No mais, acione qualquer canal que for preciso; quero saber por onde anda esse tal de Moisés, e qual sua relevância dento daquela igreja.

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– Não, Moisés!
O grito o fez encolher. Por mais que tentasse evitar, lágrimas teimavam em lhe escorrer pelos olhos.
– D-d-desculpa…
A vara desceu rápida e com força, sobre as costas do rapaz, fazendo-o se retrair de dor. Ele estreitou os olhos e se encolheu mais ainda, apertando os lábios para não gritar.
– Eu não quero desculpas! Você acha que Ele as quer? Está enganado, se pensa assim; Ele não aceita desculpas!
– S-s-sim… s-senhor… – balbuciou, às lágrimas.
Quase como em um gesto ensaiado, o homem deixou o corretivo de lado e abraçou o rapaz, ajoelhado à sua frente.
– Moisés, Moisés – disse transparecendo ternura, abrandando a voz de instantes. – Você não percebe? Você tem de ser forte. Só os fortes são conclamados a ser o braço d’Ele, a mão que castiga!
O jovem ergueu a cabeça, piscando várias vezes, para se libertar das lágrimas, e esboçou um sorriso tímido.
– Você quer castigá-los, não? A todos eles, os pecadores que maculam o mundo? Aqueles que transformaram nossa santa terra… nisto! – completou, deixando transparecer desprezo e nojo, na voz.
Como o bote de um animal predador, o homem agarrou a cabeça do rapaz com violência, fazendo-o encará-lo.
– Você quer, não quer? Poderei contar com você, não poderei? Com seu sacrifício, sua dedicação, não poderei?
– S-sim senhor, o-o… senhor p-poderá – respondeu, em voz baixa.
– Não ouvi, Moisés! – disse o homem, elevando o tom. – Eu não ouvi! É assim que você espera que Ele lhe escute? Com lamúrias e choramingo? Com a voz dos fracos?
– N-não! – respondeu o rapaz, apressado e com mais afinco.
– Então diga, Moisés, diga alto e claro, para que até os cantos mais distante do Paraíso o escutem!
– Sim, senhor! – disse, em voz alta. – Sim, senhor! O senhor poderá contar comigo! – repetiu, agora em tom ainda mais vibrante, as faces alteradas e decididas. Não havia mais lágrimas em seu rosto.
– Você irá levar a eles, Moisés? Irá levar a expiação ao coração dos incrédulos?
– Sim, eu irei!
– O raio e o trovão?
– O raio e o trovão! – repetiu com fervor e fé.
– Olhe-me nos olhos, Moisés; olhe em meus olhos! Você irá levar a luz e a palavra, a luz e a palavra?
Por uns segundos, o rapaz apenas ficou ali, estático, olhando para o homem que lhe prendia a cabeça entre as mãos.
– A luz e a palavra… – repetiu por fim, esboçando um sorrindo sereno, como se estivesse distante dali, certo de que, naquele momento, mil anjos o abençoavam.

22

Como sempre, o encontro ocorreu tarde da noite, na madrugada mais avançada. Até onde se lembrava, sempre havia sido daquela forma, e ainda assim, por mais tarde que saíssem dali, em nenhuma ocasião Renan se atrasara, em seus compromissos matinais seguintes. Aquele homem pouco dormia, mas parecia não se importar com isso.
A sede central se mostrava enorme e solitária, àquela hora, com os funcionários costumeiros e demais integrantes distante dali.
O advogado optou pelas escadas, como, também, sempre fazia. Não conseguiria explicar, mas se sentia incomodado, dentro de um elevador, em um prédio daquele porte, onde, seguramente àquelas horas, apenas uma pessoa lá se encontrava.
Medos decorrentes da idade… – pensou, com certo ar de melancolia. Contudo, tudo mudou quando abriu a porta corta fogo e descortinou a entrada da única sala iluminada no andar.
O advogado avançou, soltando a porta de golpe. A força das molas a impulsionou de volta, e o ruído do choque contra o batente ressoou pelo corredor na penumbra. Por um momento, o advogado ficou imaginando porque Renan nunca mandara arrumar aquilo. Com o prédio vazio, o som devia reverberar por quase todo o edifício. Em seguida, balançou a cabeça e desistiu. Como tudo na vida de Renan, deveria existir um bom motivo para aquilo, fosse qual fosse.
O advogado avançou e estancou à porta do recinto iluminado. Desta feita, Renan o aguardava, voltado para a entrada, e com um assentimento, o fez entrar.
– Queria me ver, Ministro?
– Queria sim, Adalberto. Tenho uma missão da mais alta importância para você – disse, se virando e apanhando uma folha sobre a mesa, entregando-a, em seguida, ao advogado. Escrito à mão, no papel constavam apenas um endereço e um nome. Não foi difícil, ao advogado, identificá-lo como uma localização em São Petersburgo, Rússia.
– Quero que você vá, pessoalmente, a este endereço e contate esse homem.
O advogado franziu a sobrancelhas.
– Não nos utilizaremos do intermédio de Casimiro? – perguntou.
– Desta vez, não. Este é um assunto de máxima prioridade e de absoluto sigilo, e só confio em você, Adalberto, para executá-lo.
O advogado assentiu com a cabeça.
– Considere feito, Ministro.
– Ótimo – respondeu Renan, dando-lhe as costas. – Agora vá. Providencie as despesas necessárias, e lembre-se, para a vontade d’Ele… não há preço.

Continua...

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