Sentado
na cadeira incomoda, olhou o relógio barato preso na parede à frente
enquanto aguardava a decisão do juiz. Podia sentir a presença do
policial às suas costas, próximo, a observá-lo. Apesar da situação
difícil que se encontrava não sentia desconforto ou revolta. Estava
completamente tranqüilo e em paz com sua consciência. Começou a brincar
com a caneta enquanto observava tudo a sua volta. Seu advogado
permanecia imóvel aguardando a sentença. Após alguns minutos,
entediou-se e se recostou. Lentamente, algumas imagens começaram a se
formar em sua mente e ele viajou no tempo. Lembrou-se de quando
conhecera sua esposa Martha. Aquele dia e os que se seguiram foram os
melhores de sua vida até que, na primeira visita à casa dos pais da
moça, encontrou-se com aquela que viria a se tornar o flagelo em sua
vida, a cunhada. Corpo escultural, cabelos negros e compridos que lhe
caiam sobre os ombros, descendo até a altura dos seios fartos, mas não
desproporcionais, Karol era uma linda mulher, a não ser por um simples
detalhe, o nariz. De forma triangular, sua disposição realçava a
elevação óssea fazendo lembrar-se das bruxas dos contos infantis,
faltando apenas a verruga. A isso tudo, juntava-se o fato de ser muito
amável e cortês.
Todavia,
lembrou-se, com o decorrer do tempo, logo após ficar noivo de Martha,
finalmente Karol começou a demonstrar sua real faceta. Tornara-se
extremamente inconveniente e interesseira, aproveitando da inocência de
sua irmã para, através dela, explorá-lo. Não foram poucas as vezes que
comparecera a baladas e gastara dinheiro comprando bugigangas de seu
interesse, tudo bancado por Martha. Percebendo as atitudes de Karol em
relação a sua noiva, passou a se intrometer, confrontando a jararaca, um
dos inúmeros adjetivos que usava para se referir à cunhada. Porém,
Martha passou a julgar suas atitudes de forma errônea, tornando-se cega
para os defeitos e atitudes má intencionadas da irmã que, habilmente, a
manipulava.
O
tempo transcorreu lentamente até que os preparativos do casamento
chegaram e, com ele, mais um grande problema a ser enfrentado. Martha
decidira que Karol seria uma de suas madrinhas e ele não encontrou forma
de demovê-la da idéia. Sem condições para discutir e buscando novamente
evitar longas e desgastantes brigas, cedeu sem saber que estava
cometendo mais um grande erro. A cegueira de sua noiva, por muitas
vezes, tornava as situações mais simples e corriqueiras, um tormento.
Chegara até em considerar a opção de terminar o relacionamento, seguindo
com sua vida, mas seus sentimentos em relação a sua noiva falaram mais
fortes e o enlace matrimonial foi consumado.
Durante
a lua de mel, onde o casal permaneceu distante por quase um mês,
desfrutaram momentos de paz e alegria, retornando a cidade para habitar a
nova casa, local onde iriam começar uma vida, juntos. Todavia, como diz
um velho ditado popular, o que é bom dura pouco, e a presença de Karol
se fez sentir, novamente. Suas visitas à irmã tornaram-se mais
freqüentes. Inúmeras ligações telefônicas, quase sempre a cobrar, eram
feitas, passando muito tempo em assuntos inúteis. Os telefonemas que
mais o irritava eram aqueles que Karol contava seus problemas pessoais,
utilizando-se de sua paranóia disfarçada, e Martha acabava por absorver
toda aquele “energia negativa”. Era depois dessas ligações que ele,
irritado, falava mal da cunhada e as calorosas discussões se iniciavam. A
situação foi tornando-se tão insuportável que ele já não mais podia
sequer ouvir a voz de Karol. Diante de tal situação, resolveu que havia
chegado o momento de tomar atitudes mais drásticas, independentemente
das conseqüências que tais atos viessem a trazer para seu casamento. Se
sua esposa, psicóloga de formação, realmente o amasse, acabaria
entendendo e abrindo os olhos para a verdadeira Karol. Isto posto,
passou a intensificar seus ataques e contra-ataques contra a megera,
achando que a única coisa que demonstrava o real caráter da cunhada era o
nariz grande e de formato estranho.
Passado
alguns meses, num final de semana onde se realizara um almoço em
família, na casa do sogro, encontrou-se com Karol. A Jararaca exibia,
orgulhosa, um grande curativo que cobria todo o narigão. Em conversas
acaloradas entre Karol e Martha, conseguiu ouvir o motivo daquele
curativo. A Megera realizara uma cirurgia plástica na “napa” para
corrigir o que ela achava ser seu único defeito. Novamente a revolta lhe
tomou conta. Como aquela criatura fizera uma plástica tendo inúmeros
credores que aguardavam o pagamento das dividas contraídas. Era muita
cara de pau. Todavia, engoliu tal sentimento e procurou esquecer o fato,
afinal, não tinha nada a ver com isso.
Meses
depois, enquanto buscava equilibrar suas contas, na tentativa de tirar o
melhor proveito de sua renda, ouviu o telefone tocar. Era o gerente do
Banco informando que a conta corrente que mantinha em conjunto com
Martha estava estourada em razão de um cheque que fora apresentado e não
havia saldo suficiente para honrá-lo. Questionado sobre o cheque, o
gerente informou tratar-se de um pagamento no valor de $ 5.000, nominal a
uma clinica de estética. Dizendo não se recordar de ter emitido tal
cheque, o funcionário do banco informou-lhe de que a assinatura
constante no documento era de sua esposa. Após longos minutos, optou
pela devolução do mesmo uma vez que não dispunha de recursos para
honrá-lo. Horas depois, após uma acalorada discussão com Martha, ficou
sabendo que a esposa, contrariando suas orientações, emprestara o cheque
a Karol para o pagamento da cirurgia plástica, pois ela se comprometera
a cobrir o valor quando de sua apresentação, promessa essa não
cumprida, como de hábito.
Não
demorou a que, no final de semana seguinte, encontrasse com a jararaca
na casa do sogro. Karol já não mais portava o curativo e exibia
imponente o nariz perfeito. Por alguns minutos ficou admirando aquela
obra de arte, produzida pelas mãos hábeis do cirurgião plástico e
financiado pelo cheque de sua esposa.Todavia, aquele nariz, apesar de
belo, parecia estar desafiando-o de forma debochada. Subitamente, sem o
menor aviso, resolveu reagir. Levantando-se, caminhou até onde estava
Karol e num movimento rápido e certeiro desferiu um potente soco,
atingiu o petulante nariz. A cunhada recuou com o impacto, caindo
sentada no chão, enquanto levava as mãos ao rosto tentando inutilmente
estancar o sangue que escorria em abundância. Um sorriso formou-se em
seus lábios enquanto sua esposa e sogro seguravam-no, buscando impedir
que continuasse a agressão.
A
policia chegou rapidamente, acionada pelos vizinhos que, após ouvirem
os gritos, haviam discado para 190. Diante dos policiais, Karol se
encheu de razão e, mesmo com a intervenção de Martha e seu pai, manteve a
queixa, indo todos parar na delegacia. Meses depois, recebia uma
intimação para comparecer em juízo. Karol impetrara uma ação contra ele.
Agora,
sentado ali, naquela incomoda cadeira, aguardava a decisão final do
julgamento. Viu o juiz adentrar a sala com alguns papeis na mão e
sentar-se em sua cadeira, juntamente com todos que haviam se posto em pé
quando da entrada do meritíssimo.
-
Senhor Macedo! – disse o juiz com um tom de repreensão na voz – Após
analisar o seu caso e, levando em consideração os graves danos causado a
postulante do processo, condeno-o a custear as cirurgias necessárias a
reparação dos danos causados a Karol Siqueira. Condeno, ainda, o réu a
manter distancia mínima de 300 metros como solicitado pela postulante.
Cumpra-se.
Um
largo sorriso de satisfação formou-se nos lábios de Karol, enquanto que
ele, dominado pela raiva, teve seus olhos cada ver mais cerrados e
lágrimas brotaram, lavando sua face. Neste momento, sua visão focou-se
no Nariz deformado pelo soco e, sem que ninguém pudesse impedi-lo,
saltou por sobre a mesa, partindo em direção daquele hipnótico triângulo
nasal.
fim
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