quinta-feira, 17 de maio de 2012

Um dia Normal de Trabalho e a Conspiração Global, de Renato Azevedo




 BLF Informática, Centro de São Paulo, 10:13 h.

        Começo de semana, Leandro e Franco em viagem, e Batista não sentia a mínima vontade de realizar qualquer esforço. Cumprimentou os funcionários ao chegar e disse que não queria ser incomodado, subindo ao último dos três andares de que dispunham no edifício.
           Nenhum funcionário sabia daquele terceiro andar. Nem muito menos que a empresa de segurança de informática na qual trabalhavam era na verdade a fachada respeitável do maior centro de informações clandestino do Brasil. A BLF prestava serviços a dezenas de empresas por todo o país, além de vários políticos graúdos de Brasília. E eram essas as fontes para o principal “produto” confeccionado ali, o newsletter clandestino O Farol.
            Batista sentou-se e checou os e-mails, dedilhando com rapidez no teclado. Para sua surpresa, o vídeo falso do tal “ET do Panamá” ainda estava “bombando” na rede. Disse:
            – Ah, mas não é possível! Deu até no Fantástico que é falso!
            Apanhou o telefone e ligou para um número. Ao mesmo tempo realizou uma busca para verificar se o vídeo do Fantástico já estava online. A amiga atendeu antes que Batista pudesse conferir os resultados:
            – Alô?
            – Cris, é o Batista. Como foi ontem no Fantástico?
            Finalmente ele achou o vídeo, enquanto a bióloga que a contragosto era consultora d’O Farol respondeu:
            – Batista, eles não me procuraram mais. Chamaram um outro cara, lá no Rio de Janeiro mesmo, você não viu no Fantástico?
            Agora ele achava o vídeo, e realmente era outra pessoa que expunha os fatos. O biólogo explicou que o cadáver mostrado no vídeo mexicano não era um ET como estava sendo divulgado, mas um infeliz bicho-preguiça em adiantado estado de decomposição.
            – É, tal como a revista OVNI havia divulgado em seu site semana passada… – disse Batista.
            – Pois é, como tem maluco no mundo, hein? – perguntou Cristina.
            – Nosso dever é denunciar o que é mentira, e divulgar a verdade, você sabe.
            – Sei… ETs que nos visitam, chupacabras, conspirações… Não sei como conseguem me convencer a colaborar com vocês!
            – Digamos que seja meu charme habitual?
            Cristina nada respondeu, e Batista percebeu que o assunto havia acabado. Antes que o silêncio constrangedor se prolongasse, ele se despediu. Cris ainda comentou:
            – Quando quiser ligar fora do “trabalho” esteja a vontade, viu?
            Ela desligou, e Batista ficou pensando. O vídeo, ao contrário de outras fraudes, chegava a ser patético. Ele e os colegas haviam conversado muito com seu amigo jornalista e ufólogo, Roberto Monteiro, e este confirmou que os membros da equipe da revista OVNI igualmente haviam sido procurados por jornalistas da Globo. O assunto já parecia encerrado na última quinta, por que ainda dar destaque no domingo seguinte?
            O Fantástico seguramente não deveria ter alguma alternativa para compor aquele quadro… Mas Batista se lembrou de haverem rastreado e-mails com o vídeo do “ET do Panamá” até endereços bem suspeitos, em Brasília e outras cidades ao redor do mundo.
            E havia, claro, os recentes fatos lá no Planalto Central, que seus colegas estavam investigando.
 Necrotério de Planaltina, 10:56 h.
             Macedo era funcionário do necrotério municipal, e não estava nada contente com a situação. Mesmo o maço de notas de 100 em sua mão não parecia ser compensação suficiente.
            O homem baixo, mas forte, vestindo um terno surrado e barba por fazer, disse as suas costas:
            – Ô, mano, tá pensando duas vezes, tá? Essa grana que pus na tua mão não foi suficiente?
            O homem por diversas vezes ficou mexendo no paletó, deixando a mostra a pistola enorme e cromada em um coldre no cinto. Macedo resolveu se mexer, abriu a porta e disse:
            – Só não quero ter problema, senhor!
            – E não terá, se manter teu bico calado, tá entendendo?
            O homem falava estranho para a idade que aparentava, mas o funcionário decidiu que não iria se preocupar em memorizar esse detalhe. Na verdade, faria questão de esquecer tudo o mais depressa possível.
            Assim que Macedo voltou a fechar a porta, Franco se pôs a trabalhar. Abriu a gaveta indicada e colocou de lado o plástico que cobria o cadáver.
            Aquele infeliz parecia literalmente haver sido comido. Marcas profundas de garras afiadas cobriam pescoço, braços e tronco. As marcas de mordidas ele só havia visto antes durante a onda de ataques em São Paulo algum tempo atrás, nas proximidades da USP e Marginal Pinheiros.
            Fotografou tudo, e ainda obteve uma amostra de impressão digital. Já sabia quem era o sujeito, e fez aquilo apenas para juntar evidências. Voltou a cobrir o corpo e a fechar a gaveta, e encaminhou-se para a saída. Nem se preocupou em despedir-se do funcionário. Sabia que ele não diria nada.
 Delegacia de Polícia de Planaltina, 11:48 h.
            Franco, depois de muita conversa e de exibir uma carteira funcional habilmente forjada, conseguiu que um dos policiais que cuidava do caso lhe revelasse importantes informações.
            O corpo, como suspeitava, havia sido simplesmente despejado em Planaltina. Amanhecera em uma praça na quarta da semana anterior, mas como a criminalidade na região era elevada, ninguém deu muita atenção ao caso.
            O policial confidenciou que outros homens que se identificaram como assessores parlamentares haviam aparecido nos últimos dias, todos querendo saber quem era o morto.

            – Olha, doutor, na minha opinião isso foi encomendado. O cara foi todo cortado para servir de exemplo, acho que algum traficante local está querendo assustar a concorrência, sabe?
             Franco agradeceu e saiu. Entrou no carro e ficou meditando a respeito.
            Sabia como operava traficantes e outros criminosos, o que não encaixava com o que sabia daquele caso. Por cima apenas um jornal local havia se ocupado do assunto. Já a informação sobre a desova do corpo parecia consistente.
            Se o quadro que já formava em sua cabeça era o correto, seria ainda mais consistente com os fatos que já conheciam. Franco não tinha mais dúvidas, outra daquelas aberrações produzidas em laboratório, que o povo havia apelidado de chupacabras, estava a solta em Brasília.
            Só precisava saber porque a vítima havia sido precisamente aquela.
Senado Federal – Ante-sala do gabinete de José Ribamar, 12:26 h.
            Leandro ajeitou o terno bem cortado e sentou-se. A recepcionista o observou, por certo achando estranho um negro vestindo Armani. Ele nem se incomodou, apanhou os fones e os colocou nos ouvidos, enquanto manipulava seu MP4.
            Aquele aparelho, na verdade, estava ligado ao sistema de segurança que a BLF Informática havia instalado no gabinete e no sistema de computadores do senador Ribamar, presidente do Senado e, como todos sabiam, virtual “dono” do Maranhão. A recepcionista passou a se dedicar a seus afazeres, enquanto Leandro ouvia as palavras trocadas durante a tensa reunião que acontecia na outra sala.
            – Se alguém voltar a tentar me sacanear, vai ver só uma coisa!
            Aparentemente, o senador Ribamar se sentia suficientemente confortável em seu gabinete para dispensar a aura de “bom velhinho” que alimentava no palanque do Senado. Leandro voltou a ouvir sua voz, carregada de sotaque:
            – O Almeida era um bom assessor, e de toda confiança. Ser morto dessa forma… quero saber quem foi o calhorda que trouxe outra dessas coisas para Brasília!
            Pela primeira vez Leandro ouviu a voz do interlocutor. Uma voz rouca que já havia sido descrita para ele em inúmeras ocasiões por seus amigos:
            – Senador, veja bem…
            – Veja bem o seu rabo! – o senador, também ex-presidente, realmente se transformava quando não estava em público. – Esse programa não tinha sido cancelado?
            – E foi, senador. Mas com tantos grupos, espalhados pelas mais diversas repartições deste país… não existe um comando central, como sabe. Então cada grupo se move apenas por seus próprios interesses.
            Silêncio por alguns instantes, até que o homem de voz rouca voltou a falar:
            – Com todos esses escândalos ocorrendo no Senado, é natural que muitos dos demais podem estar preocupados. Todos sabem o quanto o senhor está envolvido, senador…
            – Está me gozando? Querem vocês também me derrubar!? Não basta essa campanha terrorista daquele jornalzinho de São Paulo, agora vocês também?
            – Eles publicaram alguma mentira, senador? Não, claro que sabe que não! Até que o senhor e sua família moveram uma ação para censurar o jornal, e chamar ainda mais atenção.
            – O que você quer?
            Era óbvio que Ribamar não queria discutir aquele assunto. Leandro aguardou mais alguns instantes e enfim ouviu:
            – Não quero nada, senador. Digamos que foi apenas uma visita de cortesia, para informá-lo de nossos progressos.
            – Pegaram a coisa, então? Ela matou o Almeida próximo a minha mansão no Lago Paranoá. Meus seguranças atiraram, mas o bicho fugiu.
            – Ainda não, mas estamos rastreando o ser. Desta noite não passa.
            – Isso não pode chegar à imprensa, entendeu bem? Eu soube que já havia jornalistas da grande mídia vindo para investigar. Um e outro vizinho ainda abriu a boca, e custou caro pagar pelo silêncio dos outros. Deus me livre se aqueles malditos daquele jornaleco, O Farol, publicarem meu nome de novo!
            Leandro se lembrava, e como! Na última vez O Farol publicara fotos do desaparecido assessor de Ribamar ao lado de pessoas bem interessantes, o que incluía o próprio homem da voz rouca, figuras públicas envolvidas em eventos nebulosos tais como o Caso Varginha, e alguns militares de alto escalão. Aquilo comprovava o envolvimento de Ribamar com a conspiração para acobertar a presença extraterrestre.
            – O pessoal d’O Farol é profissional. São mestres em encobrir seus rastros.
            – Um dia precisamos ter gente competente no seu lugar, isso sim!
            – Não me ameace, senador.
            – Eu te criei, seu desgraçado! Não passava de um intendente de merda lá no Pará quando começaram os ataques de ovnis em Colares! Eu estava com os militares quando viram o filme da nave, eu recomendei encerrar aquela operação.
            – Os bons tempos da Operação Prato…
            – Bons nada! Não sabe o que pode acontecer com o mundo, se isso vier à tona?
            – Tanto sei que foi por isso que espalhamos aquele vídeo do tal ET do Panamá pela Internet, deu até no Fantástico! E eles estavam prontos para falar do “chupacabras de Brasília”, a morte de seu assessor, e chegar ao senhor. Tivemos muito trabalho para salvar seu rabo, senador!
            Leandro conseguiu ouvir uma exclamação de espanto, e depois entrou novamente aquela voz rouca e desagradável:
            – Infelizmente, Ribamar, você tem metido os pés pelas mãos. Sabe que quanto mais a mídia escarafuncha em suas falcatruas, maior é a chance de descobrir as ligações de “vossa Excelência” com todo o esquema. Essa foi a última vez. Está por sua conta agora.
            Leandro rapidamente guardou o equipamento, e levantou-se para servir-se de água no bebedouro. De costas para a porta do gabinete, bebeu calmamente e depois segurou os óculos escuros contra a luz.
            Pelo reflexo nas lentes viu um sujeito de aparência corriqueira, vestindo um terno barato, saindo do gabinete e indo embora. Quando ele saiu Leandro voltou a seu lugar, e finalmente a mocinha lhe disse que podia entrar.
            – Senhor Leandro, como vai?
            O jeito simpático voltou a ser exibido por Ribamar quando levantou-se e apertou a mão de Leandro. Conversaram rapidamente sobre banalidades enquanto o hacker ia ligando o laptop. A conversa gravada já havia sido transmitida para o servidor que mantinham na Capital Federal.
            – Bem, senador Ribamar, espero que esteja disposto a tratar de negócios! Como solicitado, irei lhe mostrar a última atualização em nosso sistema de segurança.
            – Isso vai proteger todo meu sistema? Inclusive celulares? O senhor sabe, como homem público, sempre estou vulnerável a todo tipo de espionagem e escuta clandestina.
            – Não tem com o que se preocupar, senador. Nosso novo sistema é o que de mais moderno existe. Claro, a menos que dinheiro seja problema…
            O ex-presidente e senador pelo Maranhão soltou uma risada, e respondeu:
            – Mas claro que não, meu amigo!
            Leandro, satisfeito mas não pelas razões de que o homem a sua frente pensava, começou sua apresentação.
Proximidades do Lago Paranoá, 16:16 h.
            Depois de alertado por Leandro, Franco passou toda a tarde vigiando as proximidades do lago. Teve o cuidado de não chamar a atenção dos seguranças das muitas mansões das redondezas. Nuvens negras se formavam no céu e escureceu tanto que as luzes dos postes começavam a se acender.
            Subitamente ele viu um furgão preto se aproximar de um matagal, ao mesmo tempo em que o som do rotor de um helicóptero era ouvido. Quatro homens penetraram na mata, e logo o som de tiros de fuzil foi percebido.
            Dois sujeitos vieram correndo, carregando um saco preto. Um outro apoiava o quarto homem, que mancava e parecia ferido. O saco foi jogado para dentro pela porta lateral e todos entraram.
            O furgão arrancou e o helicóptero afastou-se. Franco conseguiu gravar toda a cena.
 Em incontáveis caixas de correio eletrônico, 19:12 h.
 O FAROL
EDIÇÃO DE 22 DE SETEMBRO
            Caros leitores, como exposto, ficou tudo muito claro. O senador José Ribamar, um dos principais nomes no Brasil da conspiração global que controla as informações concernentes a extraterrestres, conseguiu abafar os estarrecedores fatos ocorridos nas proximidades de sua propriedade. Para tanto, seus comparsas na conspiração deram grande publicidade ao falso vídeo do chamado “ET do Panamá”, que na verdade não passa de um bicho-preguiça. Com isso, o senador logrou até mesmo ocultar a morte de um de seus mais fiéis colaboradores, já flagrado por este jornal junto a pessoas bem interessantes.
            Entretanto, o ataque do chamado chupacabras em Brasília novamente evidencia que o submundo da conspiração está em guerra. Ribamar, devido aos escândalos no Senado Federal, tem chamado muita atenção para seu nome. As gravações que dispusemos para os senhores leitores dirimem as últimas dúvidas. Sua ligação com a grande operação de acobertamento global, mais cedo ou mais tarde, será exposta, e com ela toda a verdade.
            Quanto tempo mais Ribamar poderá resistir?
Casa em algum lugar de Brasília, 20:20 h.
            – Como sempre, muita gente irá rir disto aqui.
            Roberto Monteiro, agora correspondente em Brasília, jantava com Leandro e Franco na casa que eles mantinham na Capital Federal. Leandro respondeu:
            – Mas irá “levantar a lebre”, Roberto. E como em outras ocasiões, as informações d’O Farol serão confirmadas pelos fatos.
            Roberto tirou os óculos, esfregou o rosto com as mãos e disse:
            – E eu que vim para Brasília para tentar me afastar de tudo isso…
            – Por que você acha, Roberto, – disse Franco – que Ribamar fez aquele discurso irado contra a imprensa agora a pouco? Por nossa causa! Porque estamos revelando a verdade. A gravação de Leandro fez sucesso na Internet. Imagine, flagrar o Ribamar e o rouco juntos!
            – Além de ter sido tremendamente insensato, não é mesmo?
            – Relaxe, Roberto – disse Leandro. – O Ribamar acabou de telefonar. Concordou em instalar o novo sistema de segurança. Assim, poderemos ter acesso a tudo que ele faz no Senado, repassar informações a nossos contatos na imprensa…
            – A verdade irá prevalecer – disse Franco.
            – Então, tudo isso também foi uma conspiração de vocês, para facilitar seu trabalho de espionar o Ribamar e conseguir mais informações sobre a conspiração?
            – Elementar, meu caro Roberto! – respondeu Franco.
            Leandro, normalmente o mais sisudo da equipe que publicava O Farol, não pôde evitar de, também, sorrir.

FIM

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