BLF Informática, Centro de São Paulo, 10:13 h.
Começo de semana, Leandro e Franco em viagem, e Batista não sentia a
mínima vontade de realizar qualquer esforço. Cumprimentou os
funcionários ao chegar e disse que não queria ser incomodado, subindo ao
último dos três andares de que dispunham no edifício.
Nenhum funcionário sabia daquele terceiro andar. Nem
muito menos que a empresa de segurança de informática na qual
trabalhavam era na verdade a fachada respeitável do maior centro de
informações clandestino do Brasil. A BLF prestava serviços a dezenas de
empresas por todo o país, além de vários políticos graúdos de Brasília. E
eram essas as fontes para o principal “produto” confeccionado ali, o
newsletter clandestino O Farol.
Batista sentou-se e checou os e-mails, dedilhando com
rapidez no teclado. Para sua surpresa, o vídeo falso do tal “ET do
Panamá” ainda estava “bombando” na rede. Disse:
– Ah, mas não é possível! Deu até no Fantástico que é falso!
Apanhou o telefone e ligou para um número. Ao mesmo tempo
realizou uma busca para verificar se o vídeo do Fantástico já estava
online. A amiga atendeu antes que Batista pudesse conferir os
resultados:
– Alô?
– Cris, é o Batista. Como foi ontem no Fantástico?
Finalmente ele achou o vídeo, enquanto a bióloga que a contragosto era consultora d’O Farol respondeu:
– Batista, eles não me procuraram mais. Chamaram um outro
cara, lá no Rio de Janeiro mesmo, você não viu no Fantástico?
Agora ele achava o vídeo, e realmente era outra pessoa
que expunha os fatos. O biólogo explicou que o cadáver mostrado no vídeo
mexicano não era um ET como estava sendo divulgado, mas um infeliz
bicho-preguiça em adiantado estado de decomposição.
– É, tal como a revista OVNI havia divulgado em seu site semana passada… – disse Batista.
– Pois é, como tem maluco no mundo, hein? – perguntou Cristina.
– Nosso dever é denunciar o que é mentira, e divulgar a verdade, você sabe.
– Sei… ETs que nos visitam, chupacabras, conspirações… Não sei como conseguem me convencer a colaborar com vocês!
– Digamos que seja meu charme habitual?
Cristina nada respondeu, e Batista percebeu que o assunto
havia acabado. Antes que o silêncio constrangedor se prolongasse, ele
se despediu. Cris ainda comentou:
– Quando quiser ligar fora do “trabalho” esteja a vontade, viu?
Ela desligou, e Batista ficou pensando. O vídeo, ao
contrário de outras fraudes, chegava a ser patético. Ele e os colegas
haviam conversado muito com seu amigo jornalista e ufólogo, Roberto
Monteiro, e este confirmou que os membros da equipe da revista OVNI
igualmente haviam sido procurados por jornalistas da Globo. O assunto já
parecia encerrado na última quinta, por que ainda dar destaque no
domingo seguinte?
O Fantástico seguramente não deveria ter alguma
alternativa para compor aquele quadro… Mas Batista se lembrou de haverem
rastreado e-mails com o vídeo do “ET do Panamá” até endereços bem
suspeitos, em Brasília e outras cidades ao redor do mundo.
E havia, claro, os recentes fatos lá no Planalto Central, que seus colegas estavam investigando.
Necrotério de Planaltina, 10:56 h.
Macedo era funcionário do necrotério municipal, e não
estava nada contente com a situação. Mesmo o maço de notas de 100 em sua
mão não parecia ser compensação suficiente.
O homem baixo, mas forte, vestindo um terno surrado e barba por fazer, disse as suas costas:
– Ô, mano, tá pensando duas vezes, tá? Essa grana que pus na tua mão não foi suficiente?
O homem por diversas vezes ficou mexendo no paletó,
deixando a mostra a pistola enorme e cromada em um coldre no cinto.
Macedo resolveu se mexer, abriu a porta e disse:
– Só não quero ter problema, senhor!
– E não terá, se manter teu bico calado, tá entendendo?
O homem falava estranho para a idade que aparentava, mas o
funcionário decidiu que não iria se preocupar em memorizar esse
detalhe. Na verdade, faria questão de esquecer tudo o mais depressa
possível.
Assim que Macedo voltou a fechar a porta, Franco se pôs a
trabalhar. Abriu a gaveta indicada e colocou de lado o plástico que
cobria o cadáver.
Aquele infeliz parecia literalmente haver sido comido.
Marcas profundas de garras afiadas cobriam pescoço, braços e tronco. As
marcas de mordidas ele só havia visto antes durante a onda de ataques em
São Paulo algum tempo atrás, nas proximidades da USP e Marginal
Pinheiros.
Fotografou tudo, e ainda obteve uma amostra de impressão
digital. Já sabia quem era o sujeito, e fez aquilo apenas para juntar
evidências. Voltou a cobrir o corpo e a fechar a gaveta, e encaminhou-se
para a saída. Nem se preocupou em despedir-se do funcionário. Sabia que
ele não diria nada.
Delegacia de Polícia de Planaltina, 11:48 h.
Franco, depois de muita conversa e de exibir uma carteira
funcional habilmente forjada, conseguiu que um dos policiais que
cuidava do caso lhe revelasse importantes informações.
O corpo, como suspeitava, havia sido simplesmente
despejado em Planaltina. Amanhecera em uma praça na quarta da semana
anterior, mas como a criminalidade na região era elevada, ninguém deu
muita atenção ao caso.
O policial confidenciou que outros homens que se
identificaram como assessores parlamentares haviam aparecido nos últimos
dias, todos querendo saber quem era o morto.
– Olha, doutor, na minha opinião isso foi encomendado. O cara foi todo cortado para servir de exemplo, acho que algum traficante local está querendo assustar a concorrência, sabe?
Franco agradeceu e saiu. Entrou no carro e ficou meditando a respeito.
Sabia como operava traficantes e outros criminosos, o que
não encaixava com o que sabia daquele caso. Por cima apenas um jornal
local havia se ocupado do assunto. Já a informação sobre a desova do
corpo parecia consistente.
Se o quadro que já formava em sua cabeça era o correto,
seria ainda mais consistente com os fatos que já conheciam. Franco não
tinha mais dúvidas, outra daquelas aberrações produzidas em laboratório,
que o povo havia apelidado de chupacabras, estava a solta em Brasília.
Só precisava saber porque a vítima havia sido precisamente aquela.
Senado Federal – Ante-sala do gabinete de José Ribamar, 12:26 h.
Leandro ajeitou o terno bem cortado e sentou-se. A
recepcionista o observou, por certo achando estranho um negro vestindo
Armani. Ele nem se incomodou, apanhou os fones e os colocou nos ouvidos,
enquanto manipulava seu MP4.
Aquele aparelho, na verdade, estava ligado ao sistema de
segurança que a BLF Informática havia instalado no gabinete e no sistema
de computadores do senador Ribamar, presidente do Senado e, como todos
sabiam, virtual “dono” do Maranhão. A recepcionista passou a se dedicar a
seus afazeres, enquanto Leandro ouvia as palavras trocadas durante a
tensa reunião que acontecia na outra sala.
– Se alguém voltar a tentar me sacanear, vai ver só uma coisa!
Aparentemente, o senador Ribamar se sentia
suficientemente confortável em seu gabinete para dispensar a aura de
“bom velhinho” que alimentava no palanque do Senado. Leandro voltou a
ouvir sua voz, carregada de sotaque:
– O Almeida era um bom assessor, e de toda confiança. Ser
morto dessa forma… quero saber quem foi o calhorda que trouxe outra
dessas coisas para Brasília!
Pela primeira vez Leandro ouviu a voz do interlocutor.
Uma voz rouca que já havia sido descrita para ele em inúmeras ocasiões
por seus amigos:
– Senador, veja bem…
– Veja bem o seu rabo! – o senador, também ex-presidente,
realmente se transformava quando não estava em público. – Esse programa
não tinha sido cancelado?
– E foi, senador. Mas com tantos grupos, espalhados pelas
mais diversas repartições deste país… não existe um comando central,
como sabe. Então cada grupo se move apenas por seus próprios interesses.
Silêncio por alguns instantes, até que o homem de voz rouca voltou a falar:
– Com todos esses escândalos ocorrendo no Senado, é
natural que muitos dos demais podem estar preocupados. Todos sabem o
quanto o senhor está envolvido, senador…
– Está me gozando? Querem vocês também me derrubar!? Não
basta essa campanha terrorista daquele jornalzinho de São Paulo, agora
vocês também?
– Eles publicaram alguma mentira, senador? Não, claro que
sabe que não! Até que o senhor e sua família moveram uma ação para
censurar o jornal, e chamar ainda mais atenção.
– O que você quer?
Era óbvio que Ribamar não queria discutir aquele assunto. Leandro aguardou mais alguns instantes e enfim ouviu:
– Não quero nada, senador. Digamos que foi apenas uma visita de cortesia, para informá-lo de nossos progressos.
– Pegaram a coisa, então? Ela matou o Almeida próximo a
minha mansão no Lago Paranoá. Meus seguranças atiraram, mas o bicho
fugiu.
– Ainda não, mas estamos rastreando o ser. Desta noite não passa.
– Isso não pode chegar à imprensa, entendeu bem? Eu soube
que já havia jornalistas da grande mídia vindo para investigar. Um e
outro vizinho ainda abriu a boca, e custou caro pagar pelo silêncio dos
outros. Deus me livre se aqueles malditos daquele jornaleco, O Farol,
publicarem meu nome de novo!
Leandro se lembrava, e como! Na última vez O Farol
publicara fotos do desaparecido assessor de Ribamar ao lado de pessoas
bem interessantes, o que incluía o próprio homem da voz rouca, figuras
públicas envolvidas em eventos nebulosos tais como o Caso Varginha, e
alguns militares de alto escalão. Aquilo comprovava o envolvimento de
Ribamar com a conspiração para acobertar a presença extraterrestre.
– O pessoal d’O Farol é profissional. São mestres em encobrir seus rastros.
– Um dia precisamos ter gente competente no seu lugar, isso sim!
– Não me ameace, senador.
– Eu te criei, seu desgraçado! Não passava de um
intendente de merda lá no Pará quando começaram os ataques de ovnis em
Colares! Eu estava com os militares quando viram o filme da nave, eu
recomendei encerrar aquela operação.
– Os bons tempos da Operação Prato…
– Bons nada! Não sabe o que pode acontecer com o mundo, se isso vier à tona?
– Tanto sei que foi por isso que espalhamos aquele vídeo
do tal ET do Panamá pela Internet, deu até no Fantástico! E eles estavam
prontos para falar do “chupacabras de Brasília”, a morte de seu
assessor, e chegar ao senhor. Tivemos muito trabalho para salvar seu
rabo, senador!
Leandro conseguiu ouvir uma exclamação de espanto, e depois entrou novamente aquela voz rouca e desagradável:
– Infelizmente, Ribamar, você tem metido os pés pelas
mãos. Sabe que quanto mais a mídia escarafuncha em suas falcatruas,
maior é a chance de descobrir as ligações de “vossa Excelência” com todo
o esquema. Essa foi a última vez. Está por sua conta agora.
Leandro rapidamente guardou o equipamento, e levantou-se
para servir-se de água no bebedouro. De costas para a porta do gabinete,
bebeu calmamente e depois segurou os óculos escuros contra a luz.
Pelo reflexo nas lentes viu um sujeito de aparência
corriqueira, vestindo um terno barato, saindo do gabinete e indo embora.
Quando ele saiu Leandro voltou a seu lugar, e finalmente a mocinha lhe
disse que podia entrar.
– Senhor Leandro, como vai?
O jeito simpático voltou a ser exibido por Ribamar quando
levantou-se e apertou a mão de Leandro. Conversaram rapidamente sobre
banalidades enquanto o hacker ia ligando o laptop. A conversa gravada já
havia sido transmitida para o servidor que mantinham na Capital
Federal.
– Bem, senador Ribamar, espero que esteja disposto a
tratar de negócios! Como solicitado, irei lhe mostrar a última
atualização em nosso sistema de segurança.
– Isso vai proteger todo meu sistema? Inclusive
celulares? O senhor sabe, como homem público, sempre estou vulnerável a
todo tipo de espionagem e escuta clandestina.
– Não tem com o que se preocupar, senador. Nosso novo
sistema é o que de mais moderno existe. Claro, a menos que dinheiro seja
problema…
O ex-presidente e senador pelo Maranhão soltou uma risada, e respondeu:
– Mas claro que não, meu amigo!
Leandro, satisfeito mas não pelas razões de que o homem a sua frente pensava, começou sua apresentação.
Proximidades do Lago Paranoá, 16:16 h.
Depois de alertado por Leandro, Franco passou toda a
tarde vigiando as proximidades do lago. Teve o cuidado de não chamar a
atenção dos seguranças das muitas mansões das redondezas. Nuvens negras
se formavam no céu e escureceu tanto que as luzes dos postes começavam a
se acender.
Subitamente ele viu um furgão preto se aproximar de um
matagal, ao mesmo tempo em que o som do rotor de um helicóptero era
ouvido. Quatro homens penetraram na mata, e logo o som de tiros de fuzil
foi percebido.
Dois sujeitos vieram correndo, carregando um saco preto.
Um outro apoiava o quarto homem, que mancava e parecia ferido. O saco
foi jogado para dentro pela porta lateral e todos entraram.
O furgão arrancou e o helicóptero afastou-se. Franco conseguiu gravar toda a cena.
Em incontáveis caixas de correio eletrônico, 19:12 h.
O FAROL
EDIÇÃO DE 22 DE SETEMBRO
Caros leitores, como exposto, ficou tudo muito claro.
O senador José Ribamar, um dos principais nomes no Brasil da
conspiração global que controla as informações concernentes a
extraterrestres, conseguiu abafar os estarrecedores fatos ocorridos nas
proximidades de sua propriedade. Para tanto, seus comparsas na
conspiração deram grande publicidade ao falso vídeo do chamado “ET do
Panamá”, que na verdade não passa de um bicho-preguiça. Com isso, o
senador logrou até mesmo ocultar a morte de um de seus mais fiéis
colaboradores, já flagrado por este jornal junto a pessoas bem
interessantes.
Entretanto, o ataque do chamado chupacabras em
Brasília novamente evidencia que o submundo da conspiração está em
guerra. Ribamar, devido aos escândalos no Senado Federal, tem chamado
muita atenção para seu nome. As gravações que dispusemos para os
senhores leitores dirimem as últimas dúvidas. Sua ligação com a grande
operação de acobertamento global, mais cedo ou mais tarde, será exposta,
e com ela toda a verdade.
Quanto tempo mais Ribamar poderá resistir?
Casa em algum lugar de Brasília, 20:20 h.
– Como sempre, muita gente irá rir disto aqui.
Roberto Monteiro, agora correspondente em Brasília,
jantava com Leandro e Franco na casa que eles mantinham na Capital
Federal. Leandro respondeu:
– Mas irá “levantar a lebre”, Roberto. E como em outras
ocasiões, as informações d’O Farol serão confirmadas pelos fatos.
Roberto tirou os óculos, esfregou o rosto com as mãos e disse:
– E eu que vim para Brasília para tentar me afastar de tudo isso…
– Por que você acha, Roberto, – disse Franco – que
Ribamar fez aquele discurso irado contra a imprensa agora a pouco? Por
nossa causa! Porque estamos revelando a verdade. A gravação de Leandro
fez sucesso na Internet. Imagine, flagrar o Ribamar e o rouco juntos!
– Além de ter sido tremendamente insensato, não é mesmo?
– Relaxe, Roberto – disse Leandro. – O Ribamar acabou de
telefonar. Concordou em instalar o novo sistema de segurança. Assim,
poderemos ter acesso a tudo que ele faz no Senado, repassar informações a
nossos contatos na imprensa…
– A verdade irá prevalecer – disse Franco.
– Então, tudo isso também foi uma conspiração de vocês,
para facilitar seu trabalho de espionar o Ribamar e conseguir mais
informações sobre a conspiração?
– Elementar, meu caro Roberto! – respondeu Franco.
Leandro, normalmente o mais sisudo da equipe que publicava O Farol, não pôde evitar de, também, sorrir.
FIM
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