2
O
homem avançava apressado pelos corredores, sem se deter ou observar a
qualquer um, muito embora, todos pelos quais passava, o observavam
disfarçadamente, de um modo ou outro.
De
certa forma, os corredores compunham um verdadeiro labirinto, agora
tomados por um sem número de pessoas, entre técnicos de informática,
pessoal de acabamento, tapeceiros e muitos, muitos encarregados da
segurança. Em várias salas, os móveis ainda nem haviam sido instalados, e
mesmo assim, a movimentação e atividades eram intensas.
As
conversas, os murmúrios e os comandos se misturavam e se sobrepunham
uns aos outros, somados aos mais diversos ruídos, desde furadeiras até
ao martelar incessante, tudo constituindo uma cacofonia desagradável, e,
no entanto, nada daquilo parecia incomodá-lo, quando por fim, alcançou a
sala a ele destinada, que diferente das demais, se apresentava
impecável. Ao fechar a porta, um silêncio aprazível finalmente o
envolveu, e todos os sons foram deixados do lado de fora.
Ainda
junto à porta, a primeira coisa que fez, foi observar com satisfação a
placa que lhe trazia o nome, ostentada à mesa. Douglas Fiori Campos,
coronel Douglas Fiori Campos. Aquele era seu novo local de trabalho, e
apesar de apenas esta sala e algumas poucas outras, já se encontrarem em
condições operacionais, ainda assim o orgulho que sentia exacerbava
qualquer descrição.
O
coronel pendurou o quepe, bem como o paletó, largando o corpo a seguir e
se recostando na poltrona de couro preto imaculado, encosto alto e
reclinável, confortável o suficiente para lhe arrancar um sorriso do
rosto.
Seguindo
o mesmo padrão, o ambiente era muito bem decorado, com os móveis em
mogno apresentando uma tonalidade que puxava para o avermelhado. Às
costas, pendurado à parede impecavelmente branca, o Brasão da República e
mais ao canto, presa a um mastro de pedestal, a Bandeira Brasileira.
Campos
não podia se achar mais satisfeito. Após os mais variados contatos com
diversos assessores, e mesmo com o presidente em pessoa, fora finalmente
nomeado para o cargo de primeiro Diretor Geral do recém criado SBI, o
Serviço Brasileiro de Inteligência. Fora necessária muita política e um
sem número de visitas de cortesia, somado a infindáveis reuniões, mas
cada hora e dia, que passara por aquilo, valera a pena.
Campos
era mais um dos chamados militares da nova ordem, mais um jargão que se
iniciara com o coronel Moura, da Base Aérea Secreta de Cruzeiro. Assim
como Moura, Campos era um militar que via e aplicava as mais avançadas
metodologia de gestão existente em empresas e industria, com o intuito
de obter a máxima eficiência com a menor burocracia possível. Desde o
emprego com sucesso de tais métodos, pelo coronel Moura, na base de
Cruzeiro, muitos militares brasileiros haviam se capacitado em gestão
avançada. Campos era o mais recente de uma lista que só aumentava a cada
dia.
E
com tal conhecimento, associado à vontade e capacitação para aplicá-lo,
ter o cargo de Diretor Geral era uma vantagem sem precedentes na
História do país. Além de poder definir os procedimentos a serem
implementados, como bem lhe conviesse, o novo órgão não era apenas mais
um braço do SISBIN, o Sistema Brasileiro de Inteligência. Era uma
agência tão secreta que prestava contas diretamente para o presidente da
república, cujas atividades eram autônomas e independiam de aprovação
superior. E salvo alguns poucos assessores e militares do Alto Comando
das Forças Armadas Brasileiras, ninguém mais sabia da existência daquele
programa recém inaugurado de informações e contra-espionagem, com
atuação efetiva dentro e fora do Brasil.
O
orçamento destinado à agência saia do fictício Programa de Investimento
para Subsídios à Pesquisa de Vanguarda, algo tão obscuro quanto o nome
de batismo. E se tal programa acabasse por chamar a atenção de algum
bisbilhoteiro, este apenas encontraria quilos e mais quilos de papéis,
com as mais extravagantes e estapafúrdias teorias e pesquisas, tais como
“A produção de combustível alternativo através da fermentação de
excrementos de animais campestres” ou “Resíduos de celulose voltados ao
enriquecimento do rendimento de usinas alcooleiras”.
Para
todos os efeitos, a verba oficial era baixa, o que afastava os
preocupados em escândalos especulativos ou aqueles que só se
interessavam por levar alguma vantagem financeira, sobre qualquer coisa
que pudessem descobrir e participar, mesmo que indiretamente.
O
coronel ergueu a cabeça e olhou para o relógio, fixo à parede à frente.
Passavam poucos minutos das oito da manhã. Às dez em ponto, iniciaria a
primeira reunião de seu estafe. Ainda havia tempo, e esperava que todos
os preparativos e serviços em andamento estivessem concluídos, no
máximo, em pouco mais de uma hora e meia. Conforme seu cronograma
mental, às dez e vinte, todos já se estariam inteirados de como se daria
a rotina diária e os procedimentos a serem cumpridos, nas mais diversas
situações. Às dez e trinta, planejava ligar o servidor principal e dar
início ao recebimento dos mais diversos dados, de todos os recantos do
país. A partir de então, o novo órgão se encontraria operacional e
atuante.
De
momento, como que para caracterizar sua maneira moderna e precisa de
gerir, ele mesmo apelidou a instituição que nascia de logística.
3
Chovera
a madrugada inteira e ainda chovia, quando o Air Bus tocou a pista do
Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de janeiro, naquele dia de
frio incomum para a cidade.
A
passagem pela Polícia Federal se dera rápida, afinal, o homem trazia
apenas a bagagem pessoal consigo, além de haver bem poucas questões que
alguém gostaria de fazer a um pastor e pregador, que retornava de países
africanos. Quando alcançou à área externa, se deteve por uns instantes,
deixando a chuva fina atingir-lhe o rosto. Após meses de seca e calor
insuportável, se deparar com um Rio de Janeiro naquelas condições era
uma verdadeira benção, mais um sinal enviado pela sabedoria d’Ele, que
lhe mostrava o contentamento com seu retorno e com as idéias através das
quais iria renovar e edificar, uma vez mais, a fé no país.
Ainda
debaixo da fina garoa, como se apreciasse aquelas diminutas gotinhas se
aglutinando e escorrendo pela testa e rosto, aguardou, quando um
luxuoso automóvel, com vidros totalmente negros, encostou-se ao
meio-fio. Prontamente, o motorista desceu, contornou o veículo e, sem
uma palavra, abriu-lhe a porta traseira, postando-se rígido, em seguida,
tal qual um soldado o faz, quando em presença de um oficial. O homem
também nada disse, apenas esboçando um leve sorriso, em assentimento,
entrando no carro em seguida. Em segundos, o veículo se pôs em movimento
e se perdeu em meio ao caos do trânsito.
Ele
havia voltado para casa, para seu lar e país, aquela que já fora uma
nação temente a Deus e seguidor de suas leis, mas que, assim como as
demais, havia deixado de ser.
Contudo, isso já não importava. Voltaria a sê-lo.
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