A
pequena caravana seguia pela planície verdejante, escoltando a carroça
de madeira que carregava a filha do rei de Oreon. Sophia ia casar-se com
o príncipe herdeiro do reino de Troy, terras longínquas que margeavam
os fiordes gelados ao norte, berço de bravos guerreiros de longos
cabelos claros e trançados. Seu casamento havia sido acordado quando ela
era ainda criança, seria um casamento de conveniência, arranjado para
manter a paz entre os dois reinos que já haviam guerreado em passado não
muito remoto.
Sophia
tinha apenas dezesseis anos, mas já era uma bela mulher. Alta e esguia,
longos cabelos negros e lisos, olhos negros como a noite, pele morena,
herança de seu povo. Com ela viajavam alguns serviçais, suas aias de
companhia e sua ama de leite, que a acompanhava a todos os lugares. Como
segurança o rei de Oreon havia enviado uma escolta composta de dez de
seus melhores soldados.O caminho até Troy era longo e perigoso.
Sophia
não estava nada alegre em deixar sua família e seus amigos de infância
para morar em um reino desconhecido. Mas as mulheres não tinham escolha,
deviam cega obediência aos pais. Ela só havia visto seu noivo de longe,
quando ele veio para oficializar o noivado, e não gostou do que viu.
Ele era velho demais para ela, poderia ser seu avô.
No
fundo de seu coração ela tinha uma grande esperança que algo
acontecesse e impedisse seu casamento com o velho príncipe. E era nisso
que pensava durante o longo trajeto pelas planícies de Oreon.
Mantinha-se alheia a tudo, deixava-se ser lavada, penteada e vestida
pelas aias. Seu pai fez questão de mandar fazer os mais belos vestidos e
tudo que uma noiva pode precisar. Sophia não faria feio diante da corte
de Troy.
Já
estavam viajando há uma semana e conforme se afastavam de Oreon, a
temperatura ia caindo gradativamente, mudando a paisagem e fazendo com
que os grossos casados de pele fossem retirados dos baús. E com a
proximidade das montanhas, chegavam os perigos. Diziam que havia grupos
de salteadores e mercenários que atacavam os viajantes, além dos
profundos precipícios que circundavam as estradas estreitas que
atravessavam as montanhas geladas. Resolveram acampar mais cedo naquela
tarde. Estava muito frio e já estavam no sopé da imensa cordilheira.
Melhor seria seguir durante o dia. Após o jantar todos se recolheram
para dormir. O dia seguinte prometia ser cansativo.
Lá pela meia noite, sob um céu estrelado e sem lua, foram acordados pelo barulho de cavalos e pela gritaria dos vigias.
– Cuidado, estamos sendo atacados. Cuidem das mulheres e cavalos.
Em
poucos segundos o pequeno acampamento estava cercado de guerreiros
vestidos com armaduras negras, não se via os rostos ocultos pela noite,
pelas rígidas vestimentas e elmos. Sabendo-se em desvantagem, o capitão
da escolta perguntou:
– O que querem de nós? Estamos viajando em paz.
Foi então, que o maior dos guerreiros de negro adiantou-se do grupo e disse:
– Queremos as mulheres e os cavalos.
– Mas que pretensão a sua.
– Ou elas vêm por bem ou virão por mal. Vocês decidem.
Ouviu-se o brado da escolta:
– Atacar!
O
barulho das espadas sendo desembainhadas ecoou na escuridão. As
mulheres estavam apavoradas dentro da carroça, menos Sophia. Para ela o
que estava acontecendo era providencial. Ela via ali, uma chance de
fugir de seu destino. A luta encarniçada do lado de fora da carroça
parecia chegar ao fim, os guerreiros de negro eram muito superiores em
número e força. Os poucos soldados de Oreon jaziam no chão, mortos ou
mortalmente feridos.
O
chefe dos guerreiros parou ao lado da carroça e saltou de seu enorme
cavalo entrando subitamente na parte de trás onde estavam as mulheres
que gritaram apavoradas. Todas menos Sophia que, empertigando-se,
encarou o enorme guerreiro de frente, sem medo.
– O que quer de nós?
– Quem é você?
– Sou Sophia, filha do rei de Oreon e ordeno que nos deixe em paz.
– Ah, então você é Sophia. Estava aguardando sua caravana.
Rindo
de forma gutural, o guerreiro simplesmente agarrou Sophia pelo braço e a
arrastou para fora da carroça. Logo seus companheiros faziam a mesma
coisa, cada um escolhendo uma mulher e amarrando-a para que não fugisse.
Antes
de montarem em seus cavalos os estranhos guerreiros tiraram seus elmos,
revelando as presas afiadas, e atacaram os únicos homens sobreviventes
mordendo-lhes o pescoço e bebendo o sangue que jorrava copioso. Em
alguns casos, mais de um guerreiro se alimentava no pobre corpo
desfalecido. Um pouco depois sobraram apenas os corpos dilacerados e
totalmente drenados. As mulheres gritavam enlouquecidas com a cena
violenta e apavoradas com o que esperava por elas. Algumas desmaiaram e
foram prontamente jogadas na garupa dos cavalos. Sophia não gritou e nem
desmaiou, mas chorou por seus criados e pelos soldados de seu pai.
Olhou com ódio para o chefe dos guerreiros.
– Por que tamanha violência?
– Somos naturalmente violentos minha cara, somos vampiros e precisamos nos alimentar, não importa se matando pessoas inocentes.
Sophia
já havia ouvido falar destes seres, mas pensava que era uma invenção
dos antigos para amedrontar as crianças que não queriam ir para a cama.
Lembrava-se que sua ama de leite contou algumas estórias sobre os
vampiros para assustá-la e impedir que passasse a noite perambulando
pelo castelo. E agora eles estavam ali, surpreendentemente reais.
– E o que quer de nós monstro?
Sem
responder ele subiu em seu cavalo, pegou-a pelo braço e fez com que ela
se sentasse em frente a ele. Não adiantou se debater, ele era forte
demais. Os outros guerreiros seguiram o exemplo do líder e saíram a
galope em direção as montanhas.
Por
incrível que pareça, Sophia não estava com medo, sentia sim uma forte
atração pelo homem alto e forte que a segurava tão firmemente colada à
armadura dura e gelada. Cavalgaram por um tempo que pareceu uma
eternidade até avistarem uma alta fortificação de pedras, encravada na
montanha rochosa. Era um pequeno castelo, bem menor do que onde ela
vivia com seu pai, mas um belo castelo rodeado por um fosso profundo.
Quando
os cavaleiros se aproximaram do castelo, a porta elevadiça foi abaixada
e todos entraram. A porta fechou-se logo depois, isolando-os do mundo
lá fora. Os guerreiros desmontaram e saíram arrastando suas mulheres
entrando em pequeninas casas de pedra sem janelas. As mulheres gritavam
como loucas, mas não escaparam de seu destino.
– O que vão fazer conosco?
Pela
primeira vez o guerreiro tirou o elmo que o protegia revelando um rosto
bonito e extremamente másculo. Tinha longos cabelos claros e olhos de
um castanho profundo. Seus lábios grossos contrastavam com o nariz
afilado.
– Meus homens precisam das mulheres.
– Precisam para que? Para matar e comer como fizeram com os homens?
– Quase isso. Mulheres têm diversas outras utilidades. Além do mais, depois desta noite todas serão escravas obedientes e submissas.
Um sorriso cínico e sensual se abriu no rosto dele quando ela o olhou com os olhos arregalados de horror e repulsa.
– Não se atreva a encostar a mão em mim maldito.
Os
gritos das mulheres podiam ser ouvidos através das paredes de pedra das
casinhas, gritos que aos poucos foram silenciando e transformando-se em
suaves murmúrios.
– Venha Sophia, vamos entrar, quero mostrar-lhe uma coisa.
Sem
saída Sophia teve que segui-lo para dentro do castelo passando por uma
enorme porta de madeira toda trabalhada, que se abria em arco para uma
imensa sala onde dezenas de velas, em candelabros de prata, iluminavam o
ambiente parcamente mobiliado.
–
Meu nome é David McLeo, venho das terras ao norte. Fui capitão do
exército do rei de Troy muito tempo atrás. Fui transformado no que sou
agora por um vampiro que habitava a floresta dos antigos druidas. Fui
poupado por ser o mais forte e o mais valente. Ele achava que se tivesse
guerreiros fortes o suficiente, poderia montar um exército de vampiros e
dominar todos os reinos. Era um louco. Fui obrigado a matá-lo e agora
vivo aqui no castelo que lhe pertencia. Sou o príncipe das trevas,
herdeiro de seu reino de terror. Sou imortal.
– E por que me trouxe aqui e como sabe meu nome e quem sou?
–
Eu a vi pela primeira vez quando era apenas uma menina, fui com o rei
de Troy até o castelo de seu pai quando foi pedir sua mão em casamento
para o príncipe. Você era uma linda menina. Nunca mais pude esquecê-la,
pois antecipava a bela mulher na qual você se transformaria. E isto
responde às suas perguntas.
– Como sabia que estávamos vindo?
– Nós, vampiros, tudo sabemos. Temos poderes sobrenaturais.
Aproximando-se
de Sophia, David tocou seu rosto e o cabelo macio. Seus olhos brilhavam
com tal intensidade que ela não conseguiu desviar o olhar e se deixou
envolver. Seu corpo foi ficando cada vez mais leve, o tempo pareceu
parar. Apenas aqueles olhos, como duas brasas, pareciam importar. Sem
perceber Sophia deu alguns passos à frente deixando-se enlaçar por dois
braços que a puxaram ainda mais, abraçando-a com força.
– Eu te espero há tanto tempo Sophia e agora finalmente és minha. Serás minha princesa para sempre.
Os
lábios do vampiro tocaram suavemente os lábios de Sophia que, esquecida
de tudo, correspondeu ao beijo e entregou-se completamente.
As
enormes mãos de David seguraram a cabeça de Sophia fazendo-a se
reclinar levemente para o lado. Beijou novamente os lábios dela, os
olhos, o pequenino nariz arrebitado, o rosto e foi descendo pelo
pescoço, provocando arrepios desconhecidos. Quando as presas enormes
enterraram-se na pele macia, Sophia apenas gemeu em êxtase. O mundo
girou sob seus pés, um vulcão de emoções irrompeu dentro dela e ela
experimentou a melhor sensação que já havia sentido na vida. De seus
lábios escapou um gemido que incendiou o coração do vampiro, enquanto o
sangue quente descia morno e delicioso.
Antes
que não pudesse mais parar, David tirou as presas do pescoço imolado e,
num ímpeto apaixonado, rasgou seu próprio pulso e fez com que Sophia
bebesse do sangue negro. Ainda sob efeito do olhar hipnotizador do
vampiro, ela sorveu o líquido amargo em grandes goles. David tirou o
braço, gotas de sangue manchavam o rosto e os lábios de sua amada. Ele
lambeu sua pele, limpando cada gota rubra com carinho e desejo crescente
até que ela escorregou para o chão. Em alguns minutos Sophia gritava em
agonia estirada no chão de pedras imundo, debatendo-se como louca. A
morte chegou rápida e implacável, uma palidez incrível cobriu a pele
morena. Quando abriu os olhos novamente, ela já não era mais uma mortal.
Todos os sentidos estavam aguçados e uma grande euforia tomava conta
dela.
– Agora serás minha Sophia, minha princesa, para sempre.
Um
longo beijo selou a união macabra. E assim, iniciou-se o maior reinado
de terror que os habitantes daquela região já tinha ouvido falar. E até
hoje, nos tempos modernos, os viajantes evitam passar por aquela região.
Rezam as lendas que, ninguém que se aventurou por aquelas paragens saiu
vivo para contar a história.
fim
=======================================SOBRE O AUTOR DEBUTANTE
ANA KAYA
Ana
Cristina Magalhães Buonanato, mais conhecida no underground literário
como Ana Kaya, começou a escrever desde criança, tendo um grande período
de inércia e voltando agora novamente a grande arte das letras.
Nascida
em São Paulo, capital, tem no sangue a poluição e a energia desta
grande metrópole. Mistura bombástica que pode ser captada em seus
trabalhos. A solidão e os sonhos. A tristeza, os grandes sentimentos e a loucura.
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