PARTE 2
Não
sei por quanto tempo perdurou aquele silêncio opressivo, mas posso te
dizer que o sentimento de pavor reinante ali me deixara apreensivo e
curioso. Não entendia o porque de tudo aquilo e confesso que cheguei a
pensar que meu tio, juntamente com meus primos, havia enlouquecido, mas o
que se seguiu fez-me repensar a situação.
O
som de uma das portas da casa se abrindo foi ouvido, apesar do barulho
da tempestade. Não me foi difícil saber qual das portas, pois o ranger
que fora produzido permitiu a todos identificar como sendo a da entrada
da cozinha.
Apreensivos
e em silêncio, acompanhamos o som de passos, no pavimento acima. Não
eram passos comuns. Eram fortes e produziam um som metálico. Seja o que
for, era pesado o suficiente para fazer o piso de madeira ranger diante
de sua passagem.
De
repente ouvimos sons que pareciam sibilos iguais aos dos lagartos e
cobras, facilmente encontrados na região, só que num tom bem mais alto.
Outros passos surgiram, confirmando que havia mais de um, seja lá o que
fosse.
Com
o passar do tempo, a terrível conclusão que vinha, gradativamente, se
instalando em minha mente confusa e relutante era fantástica demais para
que fosse levada em consideração, mas era a que se solidificava. A
impressão que tinha era a de que nunca mais iria contemplar a luz
abençoada do dia e nem correria os olhos pelos montes e vales aprazíveis
do mundo exterior. Como que por mágica, a esperança parecia ter partido
sem que eu conseguisse entender o porquê.
Permanecemos
em silêncio e movemo-nos o mínimo possível, por muito tempo. Não sei
precisar o quanto, mas seja o quanto for, posso-lhe afirmar que
pareceu-me uma eternidade.
Entretanto,
doutrinado pela força de minha juventude e racionalidade, não deixei de
sentir uma grande satisfação de minha conduta desapaixonada, pois,
apesar do clima tenso e apavorante, que certamente provocaria um colapso
emocional em muitas pessoas, isso não me aconteceu. Lembro de examinar
aquele singular aposento e sentir crescer a aversão que a visão da
paisagem externa me causara, pouco antes de nos abrigarmos ali. Não
saberia dizer-lhe, ao certo, o que temia ou me repugnava, mas alguma
coisa em toda a atmosfera lembrava-me coisas hediondas. Comecei a
vaguear, examinando tudo a minha volta, mas procurando manter o silêncio
exigido por meu tio.
Aquela
situação perdurou por tanto tempo que, vencidos pelo cansaço, acabamos
por adormecer. Quando despertamos, já não mais se ouvia os estranhos
sons de outrora. A tempestade havia parado e, como por encanto, o clima
pesado e nefasto se dissipara.
Após
um certo tempo escutando, com o ouvido colado à porta do alçapão, tio
José pareceu dar-se por satisfeito e, dizendo “Eles se foram!”, abriu as
trancas, deixando a passagem para o exterior, livre.
Ao
subir as escadas de madeira, jamais poderia imaginar o que meus olhos
vislumbrariam poucos metros depois. De pé, ao lado de meus parentes,
admirei a paisagem completamente inusitada que se mostrava a meus olhos.
Espalhados pelos campos, podiam-se ver os esqueletos, perfeitos e
imóveis, dos animais da fazenda, em pé, no local onde os mesmos
deveriam, supostamente, estar quando os fenômenos começaram. Caminhando
com cautela, pude verificar que nada vivo, além de nós quatro, foi
encontrado na fazenda. Admirei-me com o fato de, no galinheiro, onde
antes havia um galo premiado e quase uma dúzia de galinhas, agora
restava, apenas, esqueletos em pé, tal qual encontramos nos pastos.
Curioso, aproximei o dedo de um deles, sendo advertido por meu tio,
tardiamente. Os ossos, instantaneamente, transformaram-se em pó, ao meu
toque, tal qual os lendários vampiros quando expostos a luz do sol.
Outra coisa que notei, fora a ausência de vidros. Todos haviam
desaparecidos por completo, sem deixar qualquer indício de sua
existência.
Questionando
meu tio, que certamente sabia de mais coisa sobre o que acontecera do
que havia dito, fui surpreendido com o silêncio e uma recusa velada em
falar sobre o assunto. Foi neste instante que me recordei das histórias
que ouvira, esparsamente, durante minha estadia na cidade. (pausa)
Calma, meu amigo! Deixe-me tomar um pouco de água para umidificar a garganta seca, antes de continuar… (pausa)
Bem! Onde parei mesmo?… Ah, sim!
As
pessoas acreditavam que, durante essas estranhas tempestades, criaturas
sobrenaturais desciam dos céus para a terra, espalhando a morte e a
destruição. Nos relatos que ouvi, entre uma bebedeira e outra, tal
crença pareceu-me enraizada na comunidade, pois, mesmo dominados pelo
poder do álcool, seus narradores expunham histórias muito semelhantes
umas com as outras.
Nos dias que se seguiram, impus árdua pesquisa, encontrando, com relativa facilidade, através de recortes de jornais e manuscritos antigos, relatos de outros casos estranhos ocorridos na região, em sua maioria, nas proximidades da misteriosa floresta, continuamente, localizava-se a fazenda de meu tio, o qual manteve silêncio até sua morte, alguns anos após o fato que estou lhe relatando.
Apesar
de, à época, ser uma pessoa cética e extremamente racional, não
conseguia, através de minhas limitadas investigações, encontrar
explicações plausíveis para os fatos que presenciei, muito pelo
contrário. Quanto mais investigava, mais interrogações foram se
acumulando.
O
mais intrigante, além dos esqueletos dos animais mortos, era a
existência de estranhas marcas disformes, no chão lamacento, as quais
supus serem pegadas, bem como curiosos círculos nos campos, onde, em
torno dos quais a grama desaparecera. Isto sem contar o fato das
laranjas, somente as laranjas, ainda nos pés, estarem totalmente
ressecadas, com aparência semelhante à maracujás maduros.
Dos
relatos que encontrei, o mais antigo datava de 1830, donde conclui que
tais fenômenos não eram recentes e obedeciam a uma certa periodicidade.
Nas conversas que tive, posteriormente, com amigos, que cultivei em
minha estadia, e meus primos, estes bem mais acessíveis em relação ao
assunto que meu tio, tentei, de forma inútil, buscar explicações
racionais para o ocorrido.
Por
mais que encontrasse uma explicação aceitável para alguns dos
fenômenos, sempre acabava perdendo a discussão quando eram mencionados
os esqueletos. Por mais que tentasse, não conseguia explicar, de forma
convincente, o que acontecera.
Quando
o dia final de minha estadia em Germinade chegou ainda possuía muitas
perguntas sem respostas, respostas essas que perseguiria por quase toda a
minha vida e que, por fim, acabaria por me conduzir até este abrigo em
que agora me encontro, o qual muitos dão o nome de Manicômio.
Não
me espanta, meu amigo, seu relato de que, novamente, tais
acontecimentos estranhos estão se desenrolando naquela região. Quem
sabe, agora, com os recursos e conhecimentos que tem à sua disposição,
possa encontrar as respostas que me faltaram. Espero que De…
Julio
Ramirez apertou um dos botões, fazendo a reprodução da gravação cessar.
Já era a sétima vez em que ouvira aquele relato, procurando alguma
informação que pudesse ser útil. Seu parceiro, Roberto De Falcon,
observava, através de uma das janelas do pavimento superior, do prédio
da delegacia de Germinade, o estranho fenômeno se desenvolvendo no
horizonte. Aquela situação já perdurava quase três dias inteiros, sem
que os especialistas conseguissem descobrir o que estava acontecendo.
Nuvens carregadas, e de comportamento anormal, pairavam por sobre toda a
região leste da cidade, local onde se localizava a floresta e a fazenda
citada na gravação que tinham acabado de ouvir.
Apreensivo,
Ramirez levantou-se e se aproximou do parceiro, passando, também, a
observar o apavorante comportamento da mãe natureza. Um calafrio
percorreu-lhe a espinha quando, em meio ao céu enegrecido, ouviu-se o
estrondo de poderosos trovões, fazendo-o lembrar-se das experiências
desagradáveis que a dupla tivera com o chamado Sobrenatural, mas que, de
forma nenhuma, aproximava-se da grandiosidade daquilo que se movia no
céu de Germinade.
De
Falcon suspirou, inconscientemente, e Ramirez, sentindo os pelos da
nuca se eriçarem, pressentiu algo ruim e extremamente maléfico, sobre o
ambiente, enquanto relâmpagos avermelhados cortavam o ar. De fato,
aquilo lhe dava a certeza de que Jeremias Carneiro estava de posse de
seu juízo perfeito. Cruzando as ruas desertas da cidade, os dois puderam
vislumbrar o comboio militar que se dirigia ao encontro do
inexplicável. Gotas de chuva começaram a cair sobre a cidade,
chocando-se contra o parapeito da janela da delegacia. Ramirez,
imediatamente, percebeu que algo estava errado. As gotas de água estavam
diferentes, possuíam uma cor inusitada. Eram vermelhas, vermelhas como
os fortes e luminosos Relâmpagos de Sangue. Sem sombra de dúvidas, o Fim
do Mundo estava chegando e a porta de entrada chamava-se Germinade.
Fim
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